Para que serve a utopia?
"A Utopia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos, ela se distanciará dez passos. Quanto mais a procure, menos a encontrarei. Qual sua utilidade, então? A utopia serve para isso, para caminhar!"
Fernando Birri (diretor de cinema)
http://www.youtube.com/watch?v=Z3A9NybYZj8
segunda-feira, 29 de abril de 2013
"Queria ver se fosse com você..." Pois foi, meu caro, foi comigo!
E vinha pensando se a minha omissão para o tão batido "Queria ver se fosse com você”, argumento que tenta justificar punições cada vez mais severas, cada vez mais cedo e está em 100% das polêmicas que andam dando muito trabalho para os criadores de memes de facebook, não estava indo longe demais. Ao ler a entrevista da jornalista Luiza Pastor, estuprada por um menor e contra a redução da maioridade penal, pensei ser a hora e escrever a minha história também.
O desabafo da jornalista mostra a lucidez de alguém capaz de pensar para além do seu umbiguinho, no entanto, os comentários de leitores demonstram ainda, além da violência embutida nos “homens de bem”, ou nos não bandidos, como se pronunciam, o machismo nosso de cada dia, nem tão implícito assim. “Pois então ela gostou.” Se por um lado, reafirmo a minha fé na humanidade ao encontrar com seres humanos capazes de pensar para além da sua dor, por outro, a péssima mania de acompanhar os comentários, reforçam também a dúvida nesta, angustiante paradoxo este.
16 de julho de 2005. Praia Grande/SP. Não fui estuprada. Não sei o que é passar por uma violência dessas, mas tive meu pai assassinado em uma viagem de férias típica da classe média. Meu pai, pedreiro e professor de matemática da rede estadual de ensino, estava lá apenas para subir ainda mais os muros da casa de praia de um amigo, que andava mais preocupado com a segurança do lugar. Enquanto isso, minha mãe, eu e alguns amigos, estávamos para curtir a praia.
Era sábado de manhã, o muro já estava erguido e seria dia de praia e churrasco no fim do dia. Os planos mudaram drasticamente. Estávamos em casa, muitos dormindo ainda. Fui acordada sendo sacudida por um homem armado. Fomos encaminhados para um quartinho e depois de estarmos todos lá, meu pai, junto dos outros homens da casa (eram 3), reagiu. Presas no quarto, ouvíamos a briga, quebra-quebra e vários tiros. Até que os assaltantes, talvez ainda adolescentes, fugiram e meu pai estava baleado.
A notícia da sua morte veio no hospital por um nada sensível médico...
[...]
Uma história dessas pode acontecer com qualquer um, menos com você. Você vê na TV diariamente, sabe de um caso com um primo de um conhecido, mas com você não, não pode. É isso que se passa na cabeça até que não seja mais possível fugir da realidade estampada na tragédia anunciada à sua frente.
Eu era uma estudante de pedagogia do 2º ano e as teorias sociológicas já faziam algum sentido para mim e então eu queria entender como um ser humano era capaz de matar outro ser humano... Essa pergunta martelou na minha cabeça ainda mais forte a partir daquele momento. Foi alguns anos depois que uma pergunta me trouxe a clareza em qual lado eu estava: vingança ou justiça social, afinal? “Mirian, você nunca teve vontade de matar quem matou o seu pai?” Dei-me conta que não, não mesmo. Não consigo pensar em deitar e conseguir dormir pensando ter sido capaz de tirar a vida de alguém. Na época torci para que fossem presos sim, não por vingança, mas porque sabia a dor que a situação causara e não desejava aquilo para mais ninguém, era isso. Nem por isso desejei ao menos um sistema penitenciário cruel que fizessem com que ali saíssem com mais ódio de tudo e "piores" do que entraram. Nunca soube se foram encontrados e presos, mas eu finalmente tinha claro para mim de que lado estava.
Confesso que não é fácil estar desse lado, porque o mundo te cobra um desejo por vingança, e pensar diferente, coloca em xeque a sensibilidade sobre a sua própria dor. É preciso uma clareza que nem sempre é possível manter. Mas confesso que com os debates sobre a redução da maioridade penal tenho ficado ainda mais forte nas minhas convicções. Ao ler os argumentos das pessoas contras, além dos mimimis “Queria ver se fosse com você”, há os que desejam barbáries para as pessoas que pensam diferente. Juro que não entendo por que essas pessoas se acham melhores que os “bandidos” que querem enjaular ou pior, a pena de morte, uma vez que ao encontrarem com pessoas que discordam de suas opiniões, claramente esbravejam e desejam crimes tão ou, geralmente, mais horrendos dos que os já cometidos!!
Tenho medo da violência que todos têm, mas tenho ainda mais medo desse ódio impensado, camuflado pelos "cidadãos de bem", muitas vezes, usando o nome de Deus e da família... Ah esses cristãos que se esquecem tão facilmente que Jesus deu a outra face. Intriga-me entender o conceito de bondade utilizado nos dias de hoje... Gosto da reflexão que Alex Castro nos proporciona “O mal é a falta de atenção”
“No nosso dia a dia, não temos muitas oportunidades práticas de ativamente não-estuprar, não-roubar, não-torturar, não-cometer-genocídio, etc.
Não-matar não é uma daquelas decisões conscientes que tomo todos os dias e das quais posso (ou não) me orgulhar – assim como, digamos, ir malhar ou não repetir o prato são duas decisões que tomo todos os dias a um custo pessoal considerável.
Ou seja, não posso me considerar bom somente porque nunca matei, roubei, mutilei, joguei judeus no forno ou comprei escravos em Luanda.
O mal é o desejo de vingança sangrenta. O mal é o descaso pelos mais pobres. O mal é a falta de sensibilidade. O mal é a crença numa meritocracia inexistente causadora de tanta violência.
Hoje sigo com mais medo que antes, com mais tristeza que antes, com mais saudade que antes, mas também com mais vontade de um mundo melhor que antes, com mais vontade de brigar e esbravejar por justiça social, por educação pública de qualidade, por políticas de equidade!
Não posso, não devo e não quero como cidadã e educadora pensar que a prisão é a única saída para a violência. A prisão é a saída quando tudo na nossa sociedade já deu errado. Há casos patológicos, e para esses, tratamento adequado. O que digo sempre e insisto em repetir é que a grave patologia que assola o Brasil é a da desigualdade social que permite poucos com tanto e tantos com tão pouco. Enquanto isso for uma realidade pouco questionada, construamos prisões e mais prisões e continuemos a viver na mentira de que elas nos protegerão da violência, enjaulados também nós nos condomínios e carros blindados...
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