Para que serve a utopia?

"A Utopia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos, ela se distanciará dez passos. Quanto mais a procure, menos a encontrarei. Qual sua utilidade, então? A utopia serve para isso, para caminhar!"
Fernando Birri (diretor de cinema)
http://www.youtube.com/watch?v=Z3A9NybYZj8

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Escolas de luta

Começou pequeno, com uma, duas, três escolas ocupadas… Agora, já são quase 200 escolas estaduais ocupadas por estudantes que lutam para garantir o direito – constitucional – à educação.
Lutam porque o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), impôs um projeto de reorganização das escolas estaduais que, dentre outras coisas, pretende fechar 94 escolas no próximo ano, para começar.
Acho “engraçado” os termos utilizados em São Paulo: fechar escola é reorganização e racionamento de água é rodízio. Termos sutis, mas que na prática ferem a cidadania da parte da população que muitos parecem, ou preferem, não sei, ignorar a existência.
Além do fechamento, o projeto prevê a reestruturação das escolas em ciclos com o argumento de que escolas com apenas um segmento têm melhores desempenhos nas avaliações, mesmo sem nenhuma comprovação de tais dados.
Estudantes, professores, famílias, comunidades acadêmicas, a sociedade enfim, já se posicionou contrária à reorganização porque não há argumentos que convençam que o fechamento de quase uma centena de escolas possa ser uma ação em prol da educação. 
O argumento de que há salas ociosas, além de ser um argumento falso – alguém, por favor, aponte-me uma sala com menos de 25 alunos na rede estadual – vem de uma ideia de educação em formato fabril em que o estudante deve entrar na escola para estar em uma sala de aula, ouvir, de preferência sem questionar, e sair de lá assim que o sinal toca, passando os níveis seriados após provarem terem aprendido sobre todas as regras e conteúdos – que pouco servirão para uma vida em sociedade.
É a ideia de uma escola fria, que enxerga no aluno uma folha em branco que colocado numa esteira de fábrica receberá as peças que faltam em cada etapa do processo até sair de lá pronto para perpetuar o sistema. Ignora-se assim que a escola deveria ser o espaço da convivência e da sociabilidade antes de tudo.
Se o excelentíssimo governador estivesse, de fato, preocupado com a qualidade da educação, pensaria em ocupar as ditas salas ociosas com salas para estudos, salas temáticas, além do óbvio: diminuir o número de estudantes por sala, garantindo possibilidades reais para os professores realizarem um bom trabalho.
O que se esconde atrás desses argumentos não convincentes é a política de desmantelamento da educação pública para levar à população a crença de que a privatização é o caminho e, assim, desresponsabilizar o estado de garantir educação pública, gratuita e de qualidade – o que economizaria alguns bilhões.
Mas os estudantes – esses vândalos que ocupam escolas (?!?!) – cansaram de ouvir e obedecer. Assumiram o controle da educação e vêm dando uma lição de cidadania ao ocupar as escolas com uma organização de dar inveja a muito empreendedor e resistindo contra uma política instituída de ignorar que educação de qualidade é direito, não favor. Resistindo contra uma polícia que deveria proteger, mas que ataca com cassetete e spray de pimenta estudantes que lutam para ficar na escola.
Apesar disso, resistem. E o movimento segue. E cresce por todo o estado. As primeiras vitórias já aparecem na suspensão da reintegração de posse das escolas ocupadas e no recuo ao fechamento de duas escolas – nos municípios de Piracicaba e Santos.
Esses estudantes transformaram, até agora, quase duas centenas de escolas em ESCOLA DE LUTA! A melhor escola da e para a vida. Que nos sirva de lição e ative em nós a utopia juvenil necessária para aprender.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Consciência Negra e Educação.


Disponível em; http://jnovocontexto.com.br/consciencia-negra-educacao/

No dia 20 de novembro é comemorado o Dia da Consciência Negra, criado em 2003 e instituído em âmbito nacional mediante lei em 10 de novembro de 2011. A data refere-se ao aniversário de morte de Zumbi, assassinado após resistir à escravidão por muitos anos no Quilombo de Palmares.
A lei é recente e a falta de noção histórica – ou canalhice – de parte da população faz emergir todo ano a falácia de que não precisamos de um dia da consciência negra, mas de um dia da consciência humana, repetindo a ideia falaciosa de que somos todos iguais.
Há ainda os mais ousados que pedem por um dia da consciência branca. Consciência branca pra quê? Qual o sofrimento imposto para a população branca? Quantas vezes você foi barrado de entrar em algum lugar por ser branco? Quantas vezes a polícia te abordou como suspeito? Quantas vezes o táxi vazio não parou para você? Quantas vezes você teve seu cabelo desmerecido pela textura? Consciência Negra e Consciência Branca não são um binômio complementar.
É preciso Consciência Negra para deixar de ignorar os mais de 300 anos de escravização da população negra, sequestrada de suas terras, embarcada a força em barcos com condições sub-humanas e vendida como mercadoria aos senhores. Homens e mulheres escravizados e que construíram com suor e muito sangue um país para brancos usufruírem.
É preciso Consciência Negra porque a tortura, exploração e mortes negras durante mais de três séculos não foram suficientes para se pensar em Direitos Humanos, pensado apenas após o horror do Holocausto.
É preciso Consciência Negra para refletir sobre a Lei Áurea que tirou os negros da senzala, para colocá-los a mercê da sociedade, desempregados, proibidos de frequentar escolas e de exercer as principais atividades remuneradas que realizavam, não por descuido, mas por política instituída que buscou branquear a população com a implantação de cotas para europeus virem ocupar o trabalho – que passava a ser remunerado – dos trabalhadores negros.
É preciso Consciência Negra para se sensibilizar com os atos de racismo diários, que nada têm de mal entendidos.
É preciso Consciência Negra para acabar com o achismo de que o passado nada tem a ver com a história atual e entender as políticas de ação afirmativa que visam reparar as injustiças históricas sofrida pelo povo negro,
É preciso Consciência Negra para que as escolas tornem-se o espaço privilegiado para discutir as questões raciais, se não por iniciativa, por cumprimento à Lei 10.639, política de ação afirmativa instituída em 2003 que altera a Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional (LDB 9394/96) e torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana tendo em vista valorizá-las, enfrentar o racismo e as discriminações para uma nova relação étnico-racial.
É preciso Consciência Negra para que essa Lei deixe de ser ignorada por grande parte das escolas: públicas e privadas.
A lei é fundamental para ensinar sobre a grandiosidade da África e seus 54 países, ricos em história e cultura. Para entender que não há escravos, mas seres humanos, escravizados em diversos contextos, mas que no capitalismo atingiu o ápice da crueldade humana em fazer do escravismo uma prática comercial cruel, impossível de se conceber até mesmo para animais. Para localizar o Egito como um país africano e apresentar Cléopatra como a rainha negra que foi, dentre tantas outras rainhas e princesas negras de países africanos.
A lei é fundamental para que a representatividade do negro no livro didático não esteja apenas no povo escravizado ou no Saci-Pererê, atores e personagens representados com valores de pouco orgulho para crianças negras. Para romper com a educação eurocêntrica que ignora a diversidade de cores e texturas, acabando de vez com a ditadura do cabelo liso e com o racismo perverso que coloca o cabelo crespo como feio, duro e ruim, adjetivos que deveriam servir apenas para acompanhar o substantivo démodé “racismo”. Para acabar com a ideia de que aquele lápis de cor rosinha desbotado é o “cor de pele” que não é a cor de pele de ninguém.
A lei é fundamental para que, por meio da educação, possamos construir uma sociedade em que um dia, de fato, não precisemos de um Dia da Consciência Negra. Porque, no cenário atual, acreditar que “Consciência Humana” basta, é tão ingênuo – para amenizar – quanto acreditar em coelhinho da páscoa e papai Noel.

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