Para que serve a utopia?

"A Utopia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos, ela se distanciará dez passos. Quanto mais a procure, menos a encontrarei. Qual sua utilidade, então? A utopia serve para isso, para caminhar!"
Fernando Birri (diretor de cinema)
http://www.youtube.com/watch?v=Z3A9NybYZj8

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

É preciso ensinar a aprender










educação avançou muito nas últimas décadas. O cenário ainda é desolador quando olhamos para os índices de desempenho, mas avançamos em acesso e, com certeza, para quem estava fora do sistema educacional – até os anos 80, 30% das crianças não estavam na escola! – acesso é também sinal de melhoria.

Para quem chegar até uma escola nunca foi problema e o analfabetismo nunca se coloca como uma realidade próxima é fácil apenas criticar a – precária – situação educacional do país. Mas talvez para quem hoje consegue acessar uma escola, a situação não seja de todo ruim.

De forma alguma estou dizendo que as pessoas que acessaram o sistema de ensino nas últimas décadas não desejam ou mereçam a tão requerida qualidade, ao contrário, minha defesa é sempre em nome de que haja uma educação pública, laica, gratuita e de qualidade a todas as crianças, adolescentes e adultos que a ela não tiveram acesso.

Avançamos no acesso, até o ano de 2014 97,5% das crianças de 6 a 14 anos estavam matriculadas no Ensino Fundamental, a meta é que 100% dessas crianças estejam na escola até 2024. Ou seja, o sistema aumentou e agora precisamos avançar – e muito – na qualidade da educação pública (e também de muitas privadas!). Precisamos rever o currículo e repensar os conteúdos clássicos da educação, mas precisamos também refletir sobre o processo de aprendizagem ainda pouco privilegiado no currículo e práticas escolares.

Como é para a criança, que é a primeira geração de uma família no ensino formal, se adequar à rotina, linguagem e compromissos antes inexistentes? Como é para as crianças superdependentes das famílias desenvolver autonomia no processo de aprendizagem?

As escolas partem do princípio que as crianças – todas elas – já têm conhecimento suficiente para se autorregularem na sua aprendizagem. Ensina-se sobre português, matemática, ciências, história, geografia, artes... mas quem orienta sobre como aprender tudo isso? Os estudantes acabam perdidos.

“Estar no 7° ano é estranho. Talvez por acharem que já não somos criancinhas (e não somos mesmo!), os adultos não nos dizem muito sobre o que temos de fazer. Se calhar o mundo dos grandes é mesmo assim, um emaranhado de confusões em que ninguém explica muito bem nada a ninguém, com medo que o julguem um pouco lerdinho!” (Testas: Estudar o estudar. Pedro Sales Luís Rosário. Editora Porto, 2004).

Como seres estamos em constante aprendizado. Aprendemos vendo TV, lendo, ouvindo músicas, viajando... Entretanto, quando o aprendizado se dá em um sistema formal, com objetivos a serem cumpridos, é preciso mais que corpo presente para que ela aconteça de forma satisfatória – ao menos à maioria das pessoas.

Daí a importância da autorregulação da aprendizagem, um processo que reforça a importância do processo de aprender. A autorregulação implica em trabalhar com os estudantes, estratégias de aprendizagem que lhes per­mitam desenvolver-se na vida escolar com mais segurança e autonomia, na qual os professores e os pais têm um papel fundamental, por serem sujeitos que auxiliam no desenvolvimento, uma vez que o processo de aprender autonomamente também se desenvolve na relação social.

Desta forma, é também um conteúdo importante que precisa urgentemente ser olhado e trabalhado com mais atenção com todos os estudantes da Educação Básica, nas diferentes modalidades, e também com os jovens e adultos que chegam ao ensino superior.

Em países como Estados Unidos e Portugal, por exemplo, é comum disciplinas, programas ou atividades dissolvidas ao longo do currículo destinadas à autorregulação da aprendizagem, ou seja, orientação aos estudantes sobre: estratégias de aprendizagem; a necessidade de organizar um horário para se estabelecer uma rotina de estudos; autoconhecimento; como evitar a mera decoreba e conseguir um aprendizado efetivo; como evitar a procrastinação; como lidar com a ansiedade frente às avaliações; dicas e estratégias para boas anotações em sala de aula, a importância de se estabelecer objetivos, enfim, oferecem um conhecimento sistematizado sobre o que aprendemos a dura penas porque todos partem do pressuposto que nascemos sabendo nos adaptar à vida escolar. Como se sentar durante 4, 5, 6, 7 ou 8 horas por dia para tentar compreender algo que, muitas vezes, não nos faz o menor sentido, fosse a coisa mais natural do mundo.

Com o avanço do acesso, não apenas no Ensino Fundamental, mas em todos os níveis da Educação Nacional, é preciso ter um olhar atento para garantir também as condições de permanência a todos e todas as estudantes, e isto passa também pela orientação sobre o como estudar em cada etapa da vida, porque as dúvidas sobre como avançar nos estudos atormentam a todos – do ensino fundamental ao ensino superior.

“Como sabes, entrei na Universidade, mas ainda não aterrei de cabeça, o que talvez não seja necessariamente um mau sinal. A verdade é que a dimensão física do meu mundo mudou absurdamente; agora estou emparedado por enormes edifícios de ar sério e austero e sento-me em salas de aulas onde caberiam todos os alunos da minha antiga escola; bem, quase todos.” [...] Que objetivos tenho? O que é que verdadeiramente guia o meu agir, no meu estudo, na Universidade, nos meus hobbies, nas relações com os outros, na minha preguiça...? (Cartas de Gervásio ao seu umbigo. Comprometer-se com o estudar na universidade. Pedro Rosário; José Núnez; Júlio Pienda. Ed. Almedina).

É preciso ensinar a aprender e, portanto, é preciso ensinar a ensinar a aprender, ou seja, é preciso que a formação de professores também esteja imbuída de instrumentalidade para tanto, para que os educadores sejam além de transmissores de conteúdos, mas sejam orientadores de um caminho de descobertas e possam auxiliar as famílias neste processo dentro do importante diálogo escola-família.


Publicado originalmente em 26/08/2016 no Jornal Novo Contexto web
Publicado em 09/09/2016 no Jornal Novo Contexto impresso 

quinta-feira, 11 de agosto de 2016


Escreva, menina, escreva!

Coloque pra fora essa dor que te faz sentir a indiferença de um possível Deus com você. Coloque pra fora o ego ferido mais uma vez por alguém que você sabe, mas insiste em se enganar, nunca vai ficar com você por mais que uma noite, por mais que uma tarde, de fato, não é?

Coloque pra fora a raiva consigo mesma por se iludir sem ter motivo algum com uma fantasia infantil.

Chore, esbraveje. Dói mesmo.

Você não precisa saber se é ou não amor. Saber o que é, afinal. Conceituar sentimentos é de uma racionalidade que não cabe. Sinta. Deixe a dor te consumir um pouco. Deixa queimar, mas lembre-se que toda queimadura forte deixa cicatriz.

Não se culpe mais. Sinta. É legítimo. Não interessa o que vem do outro. Interessa o que vem de você. O que cabe aí dentro.

Preste mais atenção à sua volta e aos conselhos que sempre ouviu. “Não seja leviana com os corações dos outros. Não ature gente de coração leviano.”

Sua densidade é demasiada, menina. Leviandade não é mesmo com você. Aceite isso. Continue explorando e querendo mais. Vá descobrir o mundo. Há tanto que conhecer ainda.

Não se prenda mais a amarras que nada têm a ver com você. Viaje.

Recomece, mais uma vez sim. E daí? Deixar de recomeçar é que é o grande equívoco da vida. Recomeçar é pra gente como você. Que sente na carne as dores emocionais, mas que não desiste de continuar. E recomeça.

Recomece diferente. Pegue uma alternativa nova. Rompa barreiras. Inove. Renove. Viaje. E mostre ao mundo as suas cicatrizes. Elas são parte fundamental da mulher que você é hoje.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

ENSINO SEM EDUCAÇÃO É A BARBÁRIE


Ensino é sobre aprender que o golfinho é um mamífero marinho que vive em média trinta anos e se destaca entre os animais por sua inteligência. Educação é compreender que a vida deste animal vale mais que uma selfie, e que, portanto, não deveria ser mantido fora do seu habitat para satisfazer egos pessoais.

Ensino é sobre aprender que pronome oblíquo não se coloca em início de frase, nem depois de vírgula, educação é conhecer, respeitar e valorizar as variedades linguísticas de um país com extensão territorial [e cultural?] maior que a Europa.

Ensino é sobre aprender todos os estados e suas respectivas capitais. Educação é compreender que a riqueza do Brasil se constrói nas diversidades de todos os estados.

Ensino é sobre aprender que o Brasil foi dividido em capitanias hereditárias em 1534 por d. D. João III. Educação é saber que essa divisão traz consequências de desigualdades sociais e raciais até os dias de hoje.

Educação é a prática social que se faz do ensino. É a compreensão que se faz da realidade a partir de dados históricos, geográficos, matemáticos… E apesar de tempos em que há tantos especialistas em política, economia, sociologia e lógico, educação, formados em redes sociais, que advogam que família educa e escola apenas ensina, é preciso trazer à compreensão, de uma vez por todas, que é dever legal e moral da escola ensinar e educar as crianças e adolescentes. Por isso temos um ministério da Educação. Por isso temos uma Lei diretrizes e bases da Educação Nacional. Porque ensino sem educação é a barbárie.

Ensino sem educação fez com que engenheiros construíssem câmaras de gás que mataram milhões de judeus. Fez com que enfermeiros e médicos envenenassem crianças nos campos de concentração. Fez com que médicos mantivessem durante a ditadura militar brasileira a tortura em seu ponto “ótimo”, do ponto de vista dos ditadores, lógico, ou seja, suficiente para trazer dor, sofrimento e pavor, mas não suficiente para matar.

Ensino sem educação traz a crença de que é possível neutralidade. Ensino sem educação faz um povo acreditar que é possível escola sem ideologia e defender junto com quem surrupia seus direitos um projeto que tem por trás a velha, gasta e sempre em voga ideologia dominante que aliena e que nos quer acreditando que vivemos uma democracia racial, que desigualdade de gênero é papo de “feminazi”, e que há em curso a tentativa de uma ditadura comunista e gay no Brasil.

Sem educação estamos fadados a não questionar. Continuaremos a propagar memes em tom de verdades absolutas, mesmo contendo absurdos, mas que satisfazem a vontade de manter a sociedade com suas desigualdades tal como está. Continuaremos a acreditar na grande mídia e usá-la como argumento para justificar posições conservadoras e reacionárias. Continuaremos a ser motivo de piada por propagar sem nenhuma dúvida que há um deputado federal que, por ser assumidamente homossexual, tem um projeto de lei que pretende mudar a bíblia!!!

Vale uma divagação para contar que só um cara foi capaz de mudar a bíblia e nem precisou de projeto na câmara, apenas de 12 apóstolos. Jesus, esse cara que, segundo conta a história, andou com todo mundo que era mal visto na época: puta, pobre e doente… E foi além, deu o peixe ao invés de ensinar a pescar. Um comunista que não viveu e nem foi pra Cuba! O final dessa história já sabemos: um monte de cidadãos de bem gritando bem forte “CRUCIFICA-O”!

Ensino sem educação é acreditar numa fé que apedreja LGBTTs e que sob o título de cristão ignora a trajetória de Jesus, e fica arraigado a valores do velho testamento que esse cara, aí, Jesus, veio para substituir com novas lições de amor, respeito e fraternidade.

Ensino sem educação é manifestação contra Paulo Freire e cafezinho com Alexandre Frota no MEC. Ensino sem educação é a barbárie de um povo patriota que aplaude policial que mata criança. Ensino sem educação é audiência para Gentilis, Sherazades e Datenas.

Ensino sem educação é família contestando professor pela nota baixa do filho. Ensino sem educação é o prazer, às vezes até mesmo orgulho, por ficar com o troco recebido a mais da vendinha da esquina. Mas os cálculos matemáticos, continuam perfeitos!

A defesa de um projeto que se diz neutro, mas que no fundo pretende treinar desde cedo crianças para serem meros obedientes de um sistema já falido, passa também por defender o tipo de sociedade que queremos. Sociedade ensinada ou sociedade educada, o que, de fato, queremos?



Publicado em 15 de julho no Jornal Novo Contexto

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