Para que serve a utopia?

"A Utopia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos, ela se distanciará dez passos. Quanto mais a procure, menos a encontrarei. Qual sua utilidade, então? A utopia serve para isso, para caminhar!"
Fernando Birri (diretor de cinema)
http://www.youtube.com/watch?v=Z3A9NybYZj8

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

E se por acaso doer demais, é porque valeu...

Não posso dizer exatamente que doeu. Quando ainda nem caiu a ficha que estou do outro lado do oceano, é ainda mais estranho dizer um até logo sem certeza de reencontro pra quem até dois meses atrás eu nem conhecia, mas que passou a fazer parte de uma rotina, das melhores que eu podia ter: praia, mergulhos, nadar até a boia, schawarma, bata frita, cerveja, caipirinhas, táxi, viagem, compras e as melhores discussões, sempre com muitas discordâncias, lógico. O coração apertou sim, mas com certeza foi porque valeu! Melhor dia aquele que estava de bode e resolvi ir à praia e, ousada que sou, resolvi perguntar pra um estranho qualquer "Você é cabo verdiano?", com a certeza de que ouviria um "No, I'm a germany", e eu treinaria um pouco do meu sofrível inglês e iria embora... Foi música pro meu ouvido ouvir "Não, sou brasileiro" e ainda tinha sotaque cearense!!! ❤

Tive que atravessar o oceano para encontrar meus cearenses preferidos. Um que tem mania de fazer uma expressão de não expressão que muitas vezes resumia o momento e outras que só me irritava mesmo. E o outro, hiperativo, mas com a dancinha mais sexy do Ceará, com seu culote quase feminino, segundo o primeiro. Ricardo e Henrique, dois amigos. Dois meses. E agora só me resta esperar que essa amizade transcenda as barreiras geográficas do nosso querido país continental. Almoçamos juntos, brindamos pela última vez, ao menos em 2016...
Abraços apertados de um tchau que preferi fingir que eram apenas um até logo porque amanhã seria como eram os sábados: encontros na praia que terminariam com schawarma e batata frita...







Decidi voltar caminhando pra casa... uma caminhada de uns 40 minutos que começou a organizar o filme da minha estadia em Cabo verde: chegar aqui assustada de madrugada, acordar e encarar um banho gelado, o Revlon!; sentir-me em casa, conhecer a universidade, dar aulas, aprender e ensinar!, amizades, risadas, medos, ansiedades e uma quase certeza de que eu estou exatamente onde devia estar.

E por aqui, sempre há uma vaca no caminho...
E, como bem disse minha mãe, tirando o fato de ter que lavar roupa na mão (no banho ou na pia do banheiro porque também não há tanque!!!), o resto foi só sucesso! Sobrevivi sem o tempero maravilhoso de mamis, (ok que minha mão cheirava a alho quase sempre, mas quem é que não gosta que uma carne no alho, não e mesmo?); sobrevivi sem máquina de lavar roupa (a toalha ficou encardida, mas estava [quase] sempre cheirosinha), sobrevivi sem carro e a viagens nos ias (vans) com 4 no banco pra 3. Aprendi a pegar carona e acreditando que gentileza gera gentileza, foram sempre boas caronas e ótimas economias! Descobri que fazer filé de atum é bem fácil e que fica ótimo com purê de batata. Aprendi que colocar um pouco de pimenta calabresa para cozinhar o macarrão dá um gosto muito especial no macarrão alho e óleo azeite.



Há dez anos tudo isso era tão distante de uma realidade concreta pra mim. Voar. Atravessar o oceano. Viver em terras estrangeiras. Ser estrangeira. E agora cá estou, em terras africanas lidando, por um lado, com as frustrações de sentir o peso da colonização que varreu pra debaixo do tapete tradições milenares que parecem ter ficado no continente e, por outro, encantada demais com a força de mulheres que carregam – de fato – na cabeça o sustento da família; pela morabeza* que fez eu me sentir em casa desde o momento que cheguei. Por fim, feliz com as descobertas, com caminhos e possibilidades que se apontam após essa experiência de apenas dois meses, mas que vivi com a intensidade que muita gente não vive em dois anos...



* A palavra MORABEZA é um regionalismo crioulo de Cabo Verde que significa “Bem-Vindo”. Alguns naturais destas ilhas atribuem-lhe também o significado de amor, beleza e amabilidade, que é, na realidade, tudo aquilo que nos faz sentir bem-vindos em qualquer parte do mundo. Para se falar de Cabo Verde é obrigatório falar na Morabeza, a arte de bem receber. Um arquipélago de gente amável e humilde, que recebe com uma simpatia contagiante e sempre com um sorriso nos lábios.



Mercado Sucupira

Presépio na Praça do Plateau





segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Tô aproveitando cada segundo...


Teve feira gastronômica da 5ª edição do Dia Internacional das Migrações e tinha barraquinha do Brasil, Cuba, Cabo-Verde, Senegal... Acabei não comendo nada porque já tinha almoçado, mas rolou uma garfada na comida senegalesa. Era um arroz bem temperado com frango. Bom! 




Cuba
Senegal


Depois do almoço senegalês, de um sorvete no platô que já me viciou e compras de tecidos e lembrancinhas para quem ficou no Brasil, seguimos - os cearenses e eu - numa caminhada rumo à praia de Quebra Canela... A Embaixada do Brasil nos surpreendeu com essa pintura que eu ainda estou tentando entender quem e porquê...

O mar sempre me renova e já sofro em pensar a voltar a viver em terras secas em que não é possível terminar a tarde com um banho de mar que está a dez minutos de carro...

Domingo conheci um pouco do interior da Ilha e a primeira parada foi na Cruz de Picos que tem essa vista que uma simples foto não é capaz de traduzir... Depois seguimos para uma olaria para conhecer o trabalho de mulheres fantásticas que há gerações produzem cerâmica - desde a retirada da argila, carregando sacos de até 10kg na cabeça, até a queima das peças... Mulheres!!!





Depois fomos para uma festa de Natal para crianças que nos presentearam com a apresentação das "batucadeirinhas".


 E se tem uma coisa que o povo aqui sabe fazer bem é festa, é dança, é música... Entra todo mundo na roda: menino, menina, mulher, idosa. Não há idade. Há alegria e uma energia que renova a alma!


 Estar com crianças é sempre muito bom, sinto-me renovada ao encontrar-me com o que há de mais honesto no mundo. Crianças com olhares de esperança e de quem esperamos um mundo melhor. que brincam e sorriem com tão pouco. Que nos lembram que a alegria está em coisas tão simples como brincar de morto/vivo e comer pipoca. Renovo-me! E ainda vem o sol finalizar a tarde com o seu show particular...


Uma shawarma com bata frita depois e terminamos o domingo no show da linda Mayra Andrade!!! Que cantora!!! E por um motivo dos mais nobres: 1 ano da campanha da Organização das Nações Unidas (ONU) "Livres e Iguais", que visa promover a igualdade para lésbicas, gays, bissexuais e transgénero (LGBT). Aliás, por aqui sempre está se discutindo a questão de gênero, igualdade e violência baseada em gênero. E apesar do machismo latente, há por outro lado uma preocupação social em colocar o assunto na mídia sem as distorções de quem não é capaz de compreender a humanidade pra além de pênis e vagina... 



A semana foi de dias mais cinzas e vento. Muito vento. O que me permitiu um breve mergulho no mar apenas na quarta-feira. Na sexta o jeito foi passear um pouco pelo Mercado Sucupira e Platô... 



Rolou um Poema Gigante na rua Pedonal - uma rua que não circula carros - e onde tem o melhor sorvete da cidade, aquele que já me viciou e, como estou aproveitando cada segundo, peguei logo dois!!!



Sábado foi dia de um bate papo com a Associação de Pais e Mestre da Escola Secundária de Salineiro sobre machismo e feminismo... O incômodo dos homens devia ser objeto de estudo. De me olharem a feio a se retirarem da sala... Onde já se viu uma mulher falando que precisamos lavar as próprias cuecas, né, não, macharada?!?! 😒
Mas o que me interessa são as possibilidade abertas com as mulheres que precisam se saber livres, que precisam saber poderem ser o que quiserem!!! Yes, we can do it!!!! 




Depois um passeio pela linda Cidade Velha!!! Como já contei, a primeira cidade do país que foi "descoberto" em 1460...

Pelourinho


Eu, Cláudia (CLE/Unicamp), Profa. Gertrudes (Univ. Jean Piaget) e seu esposo, Alcides.

Rua das Bananas - Cidade Velha


Convento São Francisco
Resiliência... 



À noite, acompanhada do meu fiel companheiro, Revlon (que não aparece na foto), fui ao jantar de confraternização de professores e funcionários da Universidade Jean Piaget. Revlon foi presenteado com bons e carnudos ossos!!!

Cláudia, Wlodzimierz Szymaniak - reitor da Universidade Jean Piaget, eu, Professora Getrudes

Pra encerrar, a "Noite Branca". Uma espécie de Virada Cultural com leituras de poemas na Casa Cultural e palcos com shows no centro da cidade. O nome é porque a tradição é que todos se vistam de branco nesta noite. É uma tradição da Cidade de Praia. No fim da noite regada a poesias, fui presenteada com um livro "Tratado Poético da Cobo-Verdianidade" de Silvino Lopes Évora.


E já se foram 2 meses... Mal deu tempo de eu me dar conta que estou do outro lado do Atlântico, mas já sinto o aperto no coração pelas despedidas que estão por vir para que eu rume a uma nova viagem...

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Linhas soltas...




Já tenho mais de mil fotos de Cabo Verde. E cada uma conta uma história. Desde o estranhamento com construções que são mais cinzas que no Brasil - não há tijolos de barro por aqui e vê-se pouquíssima telhas, geralmente nas construções mais antigas -, até as paisagens que me encantam, passando por momento de alegria com pessoas que eu há 2 meses nem sequer eu sabia que existiam e que agora já fazem parte da minha vida e deixarão saudades no fim disso tudo.



E lá fomos nós, esse trio brasileiro, a Tarrafal, cidade praiana no norte da ilha. Cerveja, porção de peixe (em que se pede por pedaço e cada pedaço é 30 escudos), mar, sol e soneca... Tudo que faz a vida valer a pena e não custa assim tão caro. Basta ter o mar por perto.






Não sei ao certo mais o que contar sobre Tarrafal. Parece-me que há coisas que só são possíveis de sentir. E foi um misto de emoções. Senti-me feliz pelo privilégio desse intercâmbio, de poder conhecer tanta coisa nova que aos poucos já vão se fazendo cotidiana. Senti-me saudosa das viagem que faço no Brasil no mesmo pique: praia e cervejinha. Senti um desejo enorme de poder dividir isso com tanta gente que amo e que sei que amaria isso aqui também: minha mãe, irmã, cunhado e sobrinhas. Minhas amigas queridas de Barão Geraldo: Marina e Angel, com quem conversaria horas sobre nossas percepções acadêmicas sobre a colonização, sobre o machismo e sobre como a cultura resiste entre trancos e barrancos, que aqui são muitos. Pensei na Jordana e na Clara, em como discordariam em alguma coisa entre si e terminariam falando alguma bobagem que nos faria gargalhar alto. Coração apertou de saudade. Senti vontade de me aconchegar num colo, ainda que imaginário na minha casinha aqui, que já se tornara também lar.

Domingo, segunda e terça, foram dias difíceis. Uma tristeza saudosa de quem sabia que apenas ir embora não curaria... E no meio disso tudo uma tese a fazer, porque nem tudo são passeios, mares, caipirinhas e cerveja...

Usar Boaventura de Sousa Santos como estruturante da tese seria de um disparato que eu não estava me dando conta. E que bom foi receber a Cláudia, pesquisadora do CLE (Centro de Lógica e Epistemologia da Unicamp) que me apontou caminhos possíveis... Porque não dá pra falar de epistemicídio e criticar o eurocentrismo usando como base um homem branco, europeu, português, né?!? Eu criticaria o que estaria a reproduzir... Como não tenho problema em ser essa metamorfose ambulante sou agora seguidora do grupo "Modernidade/Colonialidade" criado pelo Arturo Escobar...

"“a colonialidade é constitutiva da modernidade, e não derivada” (Walter Mignolo). A, modernidade e colonialidade são as duas faces da mesma moeda. Graças à colonialidade, a Europa pode produzir as ciências humanas como modelo único, universal e objetivo na produção de conhecimentos, além de deserdar todas as epistemologias da periferia do ocidente."

O ânimo voltara e lembrei-me de agradecer por tudo. Do atum fresco comprado no mercado plateau, aos cachorros que não me deixam sozinha pelo campus, passando lógico, pela alegria de poder ir à praia quando quiser... 







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