Para que serve a utopia?

"A Utopia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos, ela se distanciará dez passos. Quanto mais a procure, menos a encontrarei. Qual sua utilidade, então? A utopia serve para isso, para caminhar!"
Fernando Birri (diretor de cinema)
http://www.youtube.com/watch?v=Z3A9NybYZj8

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Cuidar e Confiar

“AS LUZES QUE DESCOBRIRAM AS LIBERDADES INVENTARAM TAMBÉM AS DISCIPLINAS”
MICHEL FOUCAULT EM VIGIAR E PUNIR
Outro dia presenciei a conversa de mães preocupadas porque suas filhas de sete anos, no 2º ano do ensino fundamental, agora ficavam no pátio e sem a professora durante o recreio (muita gente usa intervalo, mas adoro “recreio”, porque não devia ser só um intervalo, além de lanche, devia ter muita recreação, criança correndo, gritando, pulando, enfim, sendo criança!).
Para mim, o problema estava exatamente no ano anterior em que soube que essas mesmas crianças comiam dentro da sala de aula, tutoreadas o tempo todo pela professora. Que tempos!
Observei um pouco catatônica aquela conversa. Pensava em como nós que crescemos estudando em escola pública e sempre pudemos correr livres nos recreios, conseguíamos achar alguma estranheza nas crianças terem 20 minutos de liberdade para exercer a tão apregoada autonomia… E se quiserem me convencer de que eram outros tempos, só posso pensar que eram mesmo diferentes porque àquela época a nossa brincadeira era mesmo correr, pular e gritar: esconde-esconde, pega-pega, queimada… Hoje muitas crianças parecem hipnotizadas atrás de uma tela, sem nem ao menos saber o que são essas brincadeiras.
Não. Não sou uma saudosista que endossa o velho discurso “no meu tempo era melhor”. Era bom sim, era ótimo, mas tenho certeza que as crianças de hoje – as privilegiadas, lógico – acham muito bom ter acesso a tablet, computador e vídeo games. No entanto, reclamamos que as crianças não brincam mais como antigamente, mas quem está a ensiná-las?
Embora brincar, de forma muito geral, seja inerente ao ser humano, existem brincadeiras que precisam ser ensinadas. O quanto desprendemos do nosso tempo para ensinar e brincar com as crianças as brincadeiras das quais falamos com tanto saudosismo?
Ao invés disso, preocupamo-nos de tal maneira com a integridade física das crianças que focamos numa vigilância e advertências constantes: não corra que você vai cair. Você vai se machucar. Não ande desse jeito. Não se suje. Não pule.
Vigiamos as crianças e não permitimos que elas esfolem os joelhos, como aconteceu conosco tantas vezes. Vigiamos as crianças pela babá eletrônica. Pela câmera 24 horas do prédio. Pela câmera 24 horas da escola que coloca em pauta na reunião com as famílias sobre instalar ou não uma câmera nos banheiros!!!
Em nome da segurança, muitos dirão. Segurança de quem? Ou ainda, sensação de segurança de quem? Uma câmera, de fato, protege do que? Qual o medo que temos? O que vigiamos tanto em nossas crianças? Por que o susto ao saber que crianças de 7 anos já lancham sozinhas num pátio escolar?
Quem ao se recordar da infância, não se lembra dos segredos que tinha com os amigos e se sentia um super poderoso, ou uma heroína com isso? (Muitas vezes, nossas famílias até sabiam, mas pela ausência de câmeras, achávamos que não!).
O que tanto queremos ver das nossas crianças? E o que fazemos com o que vemos delas? Estamos ficando tão acostumados às telas que preferimos assistir as nossas crianças ao invés de olhá-las nos olhos e ter uma boa conversa para vê-las de verdade?
Exigimos confiança, sabedoria e autonomia das pequenas e dos pequenos, mas o quanto disso depositamos e exercitamos no desenvolvimento delas e deles?
Cuidado não é sinônimo de vigilância. Cuidado é sinônimo de diálogo saudável respeitando os limites de entendimento da criança. Cuidado é permitir que hajam descobertas próprias. É permitir também que o erro aconteça. Cuidado é acolher com acalanto a decepção, mas sabê-la ser parte do crescimento, da vida. Cuidado é ser confiável, honrar palavras, educar também com atitudes e confiar.
Cuidar e confiar são parte da educação para que se possibilite de fato a autonomia necessária para o desenvolvimento de cidadãos quem rompam com a velha cultura do “vigiar e punir”.

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