Por Mirian Gonçalves
O Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, criado na reforma administrativa realizada pela presidenta afastada Dilma Roussef em outubro de 2015 tinha como objetivo fortalecer e aprimorar as políticas de gênero, de combate ao racismo e à proteção dos direitos humanos no país. À época da criação, foi indicada para comandar a pasta a pedagoga e acadêmica Nilma Lino Gomes, primeira mulher negra do Brasil a comandar uma instituição federal de ensino superior, a Universidade da Integração Internacional da Losofonia Afro-Brasileira. Para a então ministra, aquela pasta representava um grande desafio na promoção de políticas públicas para o país.
Entretanto, ao assumir como presidente interino, Michel Temer extinguiu este Ministério, incorporando-o ao de Justiça e da Cidadania, com a nomeação de Alexandre Moraes, secretário de Segurança Pública de São Paulo, como ministro da nova organização da pasta.
A ex-ministra da extinta pasta, Gomes, em entrevista aos Jornalistas Livres, destaca que na reforma
do presidente interino, o único ministério, de fato, extinto foi o das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Para ela o motivo é o fato desse ministério ter sido o que mais possibilitou a presença dos movimentos sociais na relação com o governo.
João Ferez Júnior, professor de ciência política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa) afirma que a extinção da Secretaria de Promoção de Políticas de Inclusão Racial (Seppir) por Dilma para a criação de um único ministério para tratar das diversas questões de minorias sociais já representou um retrocesso. Antes da fusão, secretários da juventude, das mulheres e da inclusão racial, que tinham status de ministros, eram convidados a participar nas reuniões ministeriais com a presidenta em condições de igualdade com os titulares dos ministérios, e após a fusão, todas aquelas pautas passaram a ter apenas um representante. Entretanto, Ferez Júnior reforça que a extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos é um retrocesso ainda maior com consequências negativas no tocante à continuidade das políticas de ação afirmativa, porque dificulta a interlocução com os movimentos sociais que tencionam as políticas para atender a minorias historicamente discriminadas no país.
De acordo com ele, com um governo mais à direita que o anterior, com partidos que se colocam ideologicamente contrários a vários programas, inclusive ação afirmativa e igualdade racial, pode haver "algum tipo de operação tartaruga, para de alguma maneira dificultar que as políticas ou progridam ou mesmo continuem a funcionar”.
Para Gomes, a pauta das mulheres, dos negros, dos quilombolas, dos direitos humanos, da juventude, são pautas históricas no Brasil, de sujeitos sociais que têm em comum a situação de desigualdade, discriminação e exclusão. A existência desse ministério e dessas áreas em que ele foi dividido e das pautas que estão dentro dele, são respostas que o próprio governo deu para as lutas sociais e para a sociedade da importância dessas questões, da importância desses sujeitos, acompanhando tendências internacionais.
“A característica fundamental dessas pastas é que na verdade você cria oportunidade para pessoas mais próximas dos movimentos sociais ficarem próximas dos governos e, dessa maneira, tentar intervir nas várias políticas que os vários ministérios têm, ou seja, inserir a preocupação da igualdade racial em outras políticas públicas, o que não é muito natural em vários setores das políticas públicas. Então eu acho que é isso, o valor é esse, quando você cancela esse ministério, você de fato acaba com esse tipo de vigília que eles (os movimentos sociais) fazem”, avalia Feres Júnior.
Extinguir esse ministério e colocá-lo sob uma pasta que é o Ministério da Justiça e Cidadania permite a leitura de que movimento social é uma questão de segurança pública, contrariando a ideia de garantia de direitos. Quando se pensa nessa nova perspectiva, os movimentos sociais devem estar sob vigilância, a questão de raça, de gênero, juventude e direitos humanos tornam-se questões de segurança pública e que podem ser aglutinadas em uma coisa só, com uma cidadania genérica, ao desconsiderar o direito dos movimentos sociais com a nomeação de um ministro que tem em seu histórico uma relação muito dura e de criminalização desses movimentos sociais, diz Gomes.
No tocante à questão indígena, a relatora especial das Nações Unidas Victoria Tauli-Corpuz também criticou extinção do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e direitos Humanos no último Fórum Indígena das Nações Unidas, ocorrido em maio (ver matéria sobre isso no portal amazonia.org). A relatora criticou a falta de avanço do Brasil em relação à defesa dos direitos indígenas e se coloca preocupada com a crise política que pode fazer com que os ganhos recentes possam ser revertidos, e as violações já observadas possam ser exacerbadas. Coloca ainda, que a extinção do ministério promovida pelo presidente interino são “desenvolvimentos (negativos) muito sérios no que se refere ao respeito à proteção dos direitos humanos dos povos indígenas” .
Entenda as mudanças: da Seppir ao Ministério da Justiça e Cidadania
A Secretaria de Promoção de Políticas de Inclusão Racial (Seppir) foi criada em 21 de março de 2003 com o objetivo de incorporar a perspectiva da Igualdade Racial nas políticas públicas para a superação do racismo e consolidação de uma sociedade democrática de fato.
Lei de cotas para negros nas universidades, lei de cotas para negros nos concursos públicos, políticas de promoção de igualdade racial, como o Brasil Quilombola e o plano Juventude Viva foram algumas das realizações da Seppir ao longo desses treze anos de trabalho conjunto com os outros ministérios e com os movimentos sociais.
Em 2010 a Seppir passou a ser uma secretaria com status de Ministério, com o objetivo de construir políticas de promoção da igualdade racial por meio de políticas de ação afirmativa e com o grande desafio de realizar uma política transversal.
Com a reforma realizada por Dilma em 2015, a secretaria que antes possuía apenas o status de ministério tornou-se o Ministério das Mulheres, da Igualdade racial e dos Direitos Humanos. O novo ministério se estabeleceu com uma Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres, comandada por Eleonora Menicucci; uma Secretaria Nacional de Igualdade Racial, dirigida por Ronaldo Barros; e uma Secretaria Nacional de Direitos Humanos, liderada por Rogério Sottili. Para dirigir o ministério, foi escolhida a ministra da Seppir, Nilma Lino Gomes.
Com aquela reforma, pela primeira vez na história do movimento negro e das políticas públicas no Brasil, houve um ministério que tinha como característica a igualdade racial. Como ministério, há autonomia para pensar políticas, sem a dependência administrativa ao Ministério da Justiça, ou à Presidência da República, como na formação anterior de Secretaria. O Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos compunha um Ministério como todos os outros no estado brasileiro e esta foi uma perspectiva muito importante.
Com a composição das três pastas transversais – Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos –, o Ministério tinha o desafio de promover uma transversalidade interna e externa, exigindo grande capacidade de articulação com os demais ministérios e com os movimentos sociais de três grandes grupos que se subdividem ainda em suas demandas: mulheres que se desdobram em diversos movimentos feministas e movimentos de mulheres negras, diversos movimentos dos direitos humanos e o movimento negro em toda a sua complexidade, além da juventude que também foi incorporada pelo ministério como um quarto grupo.
Com a nova reforma realizada pelo presidente interino, todas essas pautas, de lutas históricas, devem ser incluídas no Ministério da Justiça e Cidadania e ainda é difícil prever se e como seguirão as políticas em andamento e que tiveram significativo avanço nos últimos 13 anos.
No site oficial do novo Ministério, ainda não há referência às políticas de Inclusão Racial, enfrentamento ao racismo, ao machismo, políticas para juventude ou direitos humanos, por exemplo.
O Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, criado na reforma administrativa realizada pela presidenta afastada Dilma Roussef em outubro de 2015 tinha como objetivo fortalecer e aprimorar as políticas de gênero, de combate ao racismo e à proteção dos direitos humanos no país. À época da criação, foi indicada para comandar a pasta a pedagoga e acadêmica Nilma Lino Gomes, primeira mulher negra do Brasil a comandar uma instituição federal de ensino superior, a Universidade da Integração Internacional da Losofonia Afro-Brasileira. Para a então ministra, aquela pasta representava um grande desafio na promoção de políticas públicas para o país.
Entretanto, ao assumir como presidente interino, Michel Temer extinguiu este Ministério, incorporando-o ao de Justiça e da Cidadania, com a nomeação de Alexandre Moraes, secretário de Segurança Pública de São Paulo, como ministro da nova organização da pasta.
A ex-ministra da extinta pasta, Gomes, em entrevista aos Jornalistas Livres, destaca que na reforma
do presidente interino, o único ministério, de fato, extinto foi o das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Para ela o motivo é o fato desse ministério ter sido o que mais possibilitou a presença dos movimentos sociais na relação com o governo.
João Ferez Júnior, professor de ciência política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa) afirma que a extinção da Secretaria de Promoção de Políticas de Inclusão Racial (Seppir) por Dilma para a criação de um único ministério para tratar das diversas questões de minorias sociais já representou um retrocesso. Antes da fusão, secretários da juventude, das mulheres e da inclusão racial, que tinham status de ministros, eram convidados a participar nas reuniões ministeriais com a presidenta em condições de igualdade com os titulares dos ministérios, e após a fusão, todas aquelas pautas passaram a ter apenas um representante. Entretanto, Ferez Júnior reforça que a extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos é um retrocesso ainda maior com consequências negativas no tocante à continuidade das políticas de ação afirmativa, porque dificulta a interlocução com os movimentos sociais que tencionam as políticas para atender a minorias historicamente discriminadas no país.
De acordo com ele, com um governo mais à direita que o anterior, com partidos que se colocam ideologicamente contrários a vários programas, inclusive ação afirmativa e igualdade racial, pode haver "algum tipo de operação tartaruga, para de alguma maneira dificultar que as políticas ou progridam ou mesmo continuem a funcionar”.
Para Gomes, a pauta das mulheres, dos negros, dos quilombolas, dos direitos humanos, da juventude, são pautas históricas no Brasil, de sujeitos sociais que têm em comum a situação de desigualdade, discriminação e exclusão. A existência desse ministério e dessas áreas em que ele foi dividido e das pautas que estão dentro dele, são respostas que o próprio governo deu para as lutas sociais e para a sociedade da importância dessas questões, da importância desses sujeitos, acompanhando tendências internacionais.
“A característica fundamental dessas pastas é que na verdade você cria oportunidade para pessoas mais próximas dos movimentos sociais ficarem próximas dos governos e, dessa maneira, tentar intervir nas várias políticas que os vários ministérios têm, ou seja, inserir a preocupação da igualdade racial em outras políticas públicas, o que não é muito natural em vários setores das políticas públicas. Então eu acho que é isso, o valor é esse, quando você cancela esse ministério, você de fato acaba com esse tipo de vigília que eles (os movimentos sociais) fazem”, avalia Feres Júnior.
Extinguir esse ministério e colocá-lo sob uma pasta que é o Ministério da Justiça e Cidadania permite a leitura de que movimento social é uma questão de segurança pública, contrariando a ideia de garantia de direitos. Quando se pensa nessa nova perspectiva, os movimentos sociais devem estar sob vigilância, a questão de raça, de gênero, juventude e direitos humanos tornam-se questões de segurança pública e que podem ser aglutinadas em uma coisa só, com uma cidadania genérica, ao desconsiderar o direito dos movimentos sociais com a nomeação de um ministro que tem em seu histórico uma relação muito dura e de criminalização desses movimentos sociais, diz Gomes.
No tocante à questão indígena, a relatora especial das Nações Unidas Victoria Tauli-Corpuz também criticou extinção do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e direitos Humanos no último Fórum Indígena das Nações Unidas, ocorrido em maio (ver matéria sobre isso no portal amazonia.org). A relatora criticou a falta de avanço do Brasil em relação à defesa dos direitos indígenas e se coloca preocupada com a crise política que pode fazer com que os ganhos recentes possam ser revertidos, e as violações já observadas possam ser exacerbadas. Coloca ainda, que a extinção do ministério promovida pelo presidente interino são “desenvolvimentos (negativos) muito sérios no que se refere ao respeito à proteção dos direitos humanos dos povos indígenas” .
Entenda as mudanças: da Seppir ao Ministério da Justiça e Cidadania
A Secretaria de Promoção de Políticas de Inclusão Racial (Seppir) foi criada em 21 de março de 2003 com o objetivo de incorporar a perspectiva da Igualdade Racial nas políticas públicas para a superação do racismo e consolidação de uma sociedade democrática de fato.
Lei de cotas para negros nas universidades, lei de cotas para negros nos concursos públicos, políticas de promoção de igualdade racial, como o Brasil Quilombola e o plano Juventude Viva foram algumas das realizações da Seppir ao longo desses treze anos de trabalho conjunto com os outros ministérios e com os movimentos sociais.
Em 2010 a Seppir passou a ser uma secretaria com status de Ministério, com o objetivo de construir políticas de promoção da igualdade racial por meio de políticas de ação afirmativa e com o grande desafio de realizar uma política transversal.
Com a reforma realizada por Dilma em 2015, a secretaria que antes possuía apenas o status de ministério tornou-se o Ministério das Mulheres, da Igualdade racial e dos Direitos Humanos. O novo ministério se estabeleceu com uma Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres, comandada por Eleonora Menicucci; uma Secretaria Nacional de Igualdade Racial, dirigida por Ronaldo Barros; e uma Secretaria Nacional de Direitos Humanos, liderada por Rogério Sottili. Para dirigir o ministério, foi escolhida a ministra da Seppir, Nilma Lino Gomes.
Com aquela reforma, pela primeira vez na história do movimento negro e das políticas públicas no Brasil, houve um ministério que tinha como característica a igualdade racial. Como ministério, há autonomia para pensar políticas, sem a dependência administrativa ao Ministério da Justiça, ou à Presidência da República, como na formação anterior de Secretaria. O Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos compunha um Ministério como todos os outros no estado brasileiro e esta foi uma perspectiva muito importante.
Com a composição das três pastas transversais – Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos –, o Ministério tinha o desafio de promover uma transversalidade interna e externa, exigindo grande capacidade de articulação com os demais ministérios e com os movimentos sociais de três grandes grupos que se subdividem ainda em suas demandas: mulheres que se desdobram em diversos movimentos feministas e movimentos de mulheres negras, diversos movimentos dos direitos humanos e o movimento negro em toda a sua complexidade, além da juventude que também foi incorporada pelo ministério como um quarto grupo.
Com a nova reforma realizada pelo presidente interino, todas essas pautas, de lutas históricas, devem ser incluídas no Ministério da Justiça e Cidadania e ainda é difícil prever se e como seguirão as políticas em andamento e que tiveram significativo avanço nos últimos 13 anos.
No site oficial do novo Ministério, ainda não há referência às políticas de Inclusão Racial, enfrentamento ao racismo, ao machismo, políticas para juventude ou direitos humanos, por exemplo.
Publicada originalmente na Revista de Jornalismo Científico Com Ciência em 13/06/2016