A educação avançou muito nas últimas décadas. O cenário ainda é desolador quando olhamos para os índices de desempenho, mas avançamos em acesso e, com certeza, para quem estava fora do sistema educacional – até os anos 80, 30% das crianças não estavam na escola! – acesso é também sinal de melhoria.
Para quem chegar até uma escola nunca foi problema e o analfabetismo nunca se coloca como uma realidade próxima é fácil apenas criticar a – precária – situação educacional do país. Mas talvez para quem hoje consegue acessar uma escola, a situação não seja de todo ruim.
De forma alguma estou dizendo que as pessoas que acessaram o sistema de ensino nas últimas décadas não desejam ou mereçam a tão requerida qualidade, ao contrário, minha defesa é sempre em nome de que haja uma educação pública, laica, gratuita e de qualidade a todas as crianças, adolescentes e adultos que a ela não tiveram acesso.
Avançamos no acesso, até o ano de 2014 97,5% das crianças de 6 a 14 anos estavam matriculadas no Ensino Fundamental, a meta é que 100% dessas crianças estejam na escola até 2024. Ou seja, o sistema aumentou e agora precisamos avançar – e muito – na qualidade da educação pública (e também de muitas privadas!). Precisamos rever o currículo e repensar os conteúdos clássicos da educação, mas precisamos também refletir sobre o processo de aprendizagem ainda pouco privilegiado no currículo e práticas escolares.
Como é para a criança, que é a primeira geração de uma família no ensino formal, se adequar à rotina, linguagem e compromissos antes inexistentes? Como é para as crianças superdependentes das famílias desenvolver autonomia no processo de aprendizagem?
As escolas partem do princípio que as crianças – todas elas – já têm conhecimento suficiente para se autorregularem na sua aprendizagem. Ensina-se sobre português, matemática, ciências, história, geografia, artes... mas quem orienta sobre como aprender tudo isso? Os estudantes acabam perdidos.
“Estar no 7° ano é estranho. Talvez por acharem que já não somos criancinhas (e não somos mesmo!), os adultos não nos dizem muito sobre o que temos de fazer. Se calhar o mundo dos grandes é mesmo assim, um emaranhado de confusões em que ninguém explica muito bem nada a ninguém, com medo que o julguem um pouco lerdinho!” (Testas: Estudar o estudar. Pedro Sales Luís Rosário. Editora Porto, 2004).
Como seres estamos em constante aprendizado. Aprendemos vendo TV, lendo, ouvindo músicas, viajando... Entretanto, quando o aprendizado se dá em um sistema formal, com objetivos a serem cumpridos, é preciso mais que corpo presente para que ela aconteça de forma satisfatória – ao menos à maioria das pessoas.
Daí a importância da autorregulação da aprendizagem, um processo que reforça a importância do processo de aprender. A autorregulação implica em trabalhar com os estudantes, estratégias de aprendizagem que lhes permitam desenvolver-se na vida escolar com mais segurança e autonomia, na qual os professores e os pais têm um papel fundamental, por serem sujeitos que auxiliam no desenvolvimento, uma vez que o processo de aprender autonomamente também se desenvolve na relação social.
Desta forma, é também um conteúdo importante que precisa urgentemente ser olhado e trabalhado com mais atenção com todos os estudantes da Educação Básica, nas diferentes modalidades, e também com os jovens e adultos que chegam ao ensino superior.
Em países como Estados Unidos e Portugal, por exemplo, é comum disciplinas, programas ou atividades dissolvidas ao longo do currículo destinadas à autorregulação da aprendizagem, ou seja, orientação aos estudantes sobre: estratégias de aprendizagem; a necessidade de organizar um horário para se estabelecer uma rotina de estudos; autoconhecimento; como evitar a mera decoreba e conseguir um aprendizado efetivo; como evitar a procrastinação; como lidar com a ansiedade frente às avaliações; dicas e estratégias para boas anotações em sala de aula, a importância de se estabelecer objetivos, enfim, oferecem um conhecimento sistematizado sobre o que aprendemos a dura penas porque todos partem do pressuposto que nascemos sabendo nos adaptar à vida escolar. Como se sentar durante 4, 5, 6, 7 ou 8 horas por dia para tentar compreender algo que, muitas vezes, não nos faz o menor sentido, fosse a coisa mais natural do mundo.
Com o avanço do acesso, não apenas no Ensino Fundamental, mas em todos os níveis da Educação Nacional, é preciso ter um olhar atento para garantir também as condições de permanência a todos e todas as estudantes, e isto passa também pela orientação sobre o como estudar em cada etapa da vida, porque as dúvidas sobre como avançar nos estudos atormentam a todos – do ensino fundamental ao ensino superior.
“Como sabes, entrei na Universidade, mas ainda não aterrei de cabeça, o que talvez não seja necessariamente um mau sinal. A verdade é que a dimensão física do meu mundo mudou absurdamente; agora estou emparedado por enormes edifícios de ar sério e austero e sento-me em salas de aulas onde caberiam todos os alunos da minha antiga escola; bem, quase todos.” [...] Que objetivos tenho? O que é que verdadeiramente guia o meu agir, no meu estudo, na Universidade, nos meus hobbies, nas relações com os outros, na minha preguiça...? (Cartas de Gervásio ao seu umbigo. Comprometer-se com o estudar na universidade. Pedro Rosário; José Núnez; Júlio Pienda. Ed. Almedina).
É preciso ensinar a aprender e, portanto, é preciso ensinar a ensinar a aprender, ou seja, é preciso que a formação de professores também esteja imbuída de instrumentalidade para tanto, para que os educadores sejam além de transmissores de conteúdos, mas sejam orientadores de um caminho de descobertas e possam auxiliar as famílias neste processo dentro do importante diálogo escola-família.
Publicado originalmente em 26/08/2016 no Jornal Novo Contexto web
Publicado em 09/09/2016 no Jornal Novo Contexto impresso