Ele só tinha 20 anos. Morto. Assassinado. Não foi assalto. Ele era o que a polícia chamava de “suspeito”. Morador de favela, não teve tempo de pegar sua carteira e apresentar os documentos. Como ‘cidadão suspeito’ não devia ousar colocar as mãos no bolso sem avisar que pegaria a carteira ao ser abordado pelo policial. Isso o tornou ainda mais indigno de qualquer dúvida sobre seu caráter. Sua cor e seu endereço tornavam-no automaticamente um suspeito perigoso. Era estudante e trabalhador, há pouco tempo havia conquistado uma vaga como estagiário num escritório pelas notas altas que o destacaram na turma. Sonhava terminar o curso na faculdade que conseguiu ingressar graças “às esmolas que o governo dava pra essa gente que não se esforça”. Ansiava pelo diploma de advogado para lutar contra as injustiças sociais, como essa que o vitimou fatalmente.
Enquanto tiros findavam mais um sonho, do outro lado da cidade, onde se tira selfie com a polícia, Matheo, um outro rapaz, também de 20 anos gostava de fumar, só para relaxar e desestressar das cansativas aulas da cara universidade que seus pais bancavam. Com o emprego garantido no escritório do pai, não havia porque se importar com notas altas. Fazia o suficiente. O carro, presente por ter passado no vestibular, fora roubado recentemente e Matheo então comemorou a intervenção federal militar. “É preciso acabar com a farra dos bandidos”, repetia em tom nobre, como o lugar destinado a Matheo desde o berço. Sentia-se aliviado e um pouco mais seguro ao ouvir no noticiário que mais um “bandido” havia sido assassinado: fora Ele, o rapaz sem nome, jovem sonhador, recém-contratado estagiário no escritório do pai de Matheo, mas no jornal do horário nobre, apenas um “suspeito que trocou tiros com a polícia” ainda que estivesse desarmado.
No país da democracia racial, dos “antagonismos equilibrados” e da meritocracia, evidente que as histórias nada têm a ver com desigualdades raciais e sociais. Além do mais, são só “estórias”, qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.