Para que serve a utopia?

"A Utopia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos, ela se distanciará dez passos. Quanto mais a procure, menos a encontrarei. Qual sua utilidade, então? A utopia serve para isso, para caminhar!"
Fernando Birri (diretor de cinema)
http://www.youtube.com/watch?v=Z3A9NybYZj8

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Volta às aulas

(Quase) sempre gostei da volta às aulas, principalmente pós-férias de verão. Material escolar novinho, o cheiro do lápis de cor na caixa, os cadernos branquinhos prontos para novas histórias serem escritas, os livros com um monte de coisas novas a serem descobertas. A ansiedade para saber quais seriam os professores, reencontrar os colegas e conhecer os novos, muitas histórias novas para contar e ouvir!
Mas para muitas crianças e adolescentes a alegria da descoberta, a ansiedade em descobrir coisas novas e a criatividade são logo minadas pelos rótulos que não tardam em vir. Já vi criança sendo rotulada na primeira semana de aula, após uma ou duas aulas. “Aquele ali ó, pode chamar os pais pra falar que precisa de professor particular, porque ele não acompanha”.
Verdade é que o sistema educacional tal como é organizado exige uma homogeneidade difícil de ser alcançada em turmas de 20, 30, 40 estudantes, e ao mesmo tempo vivemos em uma sociedade que patologiza e medica quem questiona, quem sonha, quem não se encaixa, quem é diferente. Quem é igual, afinal?
Atualmente parecemos viver uma epidemia do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), no entanto, não há consenso no mundo médico se o TDAH é um transtorno biológico-neurológico ou social. Psiquiatras franceses, por exemplo, entendem que o transtorno tem causas psico-sociais e situacionais e, assim, buscam compreender o que está causando o comportamento diferenciado da criança e tratam o contexto social com psicoterapia e aconselhamento familiar ao invés de usar a medicação.
No Brasil, a pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés, professora titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp alerta sobre os riscos do uso da ritalina, medicamento altamente prescrito para crianças, e também adultos, diagnosticadas com TDAH.
É interessante a fala da pediatra, principalmente porque vinda do mundo médico, contraria a tendência estadunidense e brasileira: a medicalização dos problemas que são, de forma geral, sociais e não de ordem biológica, não cabendo, portanto, a medicalização.
A professora diz em entrevista concedida ao site da Unicamp que “Quando se fala em 5% a 10% de pessoas com determinado problema, o conhecimento médico exige que se assuma que isso é um produto social, e não uma doença inata, neurológica, como seria o TDAH, e muito menos genética. Não dá para pensar em porcentagens. Em Medicina, sobre doenças desse tipo fala-se em 1 para 100 mil ou em 1 para 1 milhão. Então, é algo socialmente que vem se produzindo. Quando digo isso, de novo, não estou dizendo que a família é a culpada. Pelo contrário, é um modo de viver que estamos produzindo.”
Maria Aparecida coloca ainda que estão sendo medicadas “as crianças questionadoras (que não se submetem facilmente às regras) e aquelas que sonham, têm fantasias, utopias e que ‘viajam’. Com isso, o que está se abortando? São os questionamentos e as utopias. Só vivemos hoje num mundo diferente de 1.000 anos atrás porque muita gente questionou, sonhou e lutou por um mundo diferente e pelas utopias. Quando impedimos isso quimicamente, segundo a frase de um psiquiatra uruguaio, “a gente corre o risco de estar fazendo um genocídio do futuro”.  Estamos dificultando, senão impedindo, a construção de futuros diferentes e mundos diferentes. E isso é terrível.”
O que estamos fazendo com as nossas crianças? Onde fica a alegria de retornar à escola quando apontamos como problema tudo que nos incomoda como adultos que, muitas vezes, perdemos a capacidade de questionar, de ir contra, de sonhar e, assim acreditar na possibilidade de um mundo melhor?
Que os cadernos branquinhos, os lápis de cor na caixa, os livros novos possibilitem a escrita colorida de uma nova história, com mais perguntas que respostas, afinal, é clichê, eu sei, mas a história mostra que é verdadeiro: não são as respostas que mudam o mundo, são as perguntas.

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