A carta foi escrita em 5 de dezembro de 2016. O lugar era Praia, Cabo Verde, África!!! De lá para cá já são mais de 2 anos e muitas mudanças também... Muitas!
“estranho seria se eu não me apaixonasse por vocês...”
É difícil escrever para duas das pessoas que me fazem
lembrar que talvez exista um Deus e que apesar dos meus melodramas classe média sofre, Ele na verdade, na
possibilidade de ser, é
bem legal comigo ao colocar pessoinhas pra cruzar o meu caminho nesse jogo sádico que as religiões nos contam sobre um Deus que
existe pra controlar tudo que acontece no mundo.
Lembro com carinho
de vocês. Falo de vocês. Os cearenses já conhecem vocês. Eles sabem que a Angel é foda e uma artista do caralho
e com quem eu tive uma sintonia instantânea. Que a Marina é a engenheira mais humanoide que existe, escreve
bem pra caralho, e que está
fazendo um mochilão
pela América do sul. Sabem que vocês são o melhor que me aconteceu no
doutorado e que, “””””””só”””””””
por isso, valeu a pena estar nesse rito acadêmico que eu ainda não sei muito bem como vou fazer,
e pra que serve... mas que me sinto na responsabilidade de encontrar um caminho e que, no fim, isso possa minimamente contribuir com esse mundo bizarro de egos
científicos e sensos comuns que
dialogam na busca egocêntrica
por “ser alguém
na vida”. Não
sei ainda se isso é
possível e, se conseguir alcançar uma possibilidade nesse
caminho, talvez já
me sinta realizada.
Por aqui as coisas
vão bem... Acho que tive uma
queda emocional nos últimos
dias e fiquei meio bodiada. Foi o celular que pifou. Depois a viagem pra
Tarrafal, que foi boa, mas me senti muito sozinha, mesmo com os meninos. E
sobre o Henrique... Ele é
egocêntrico e hiperativo, não sabe se comportar muito nos
lugares, rs, mas tem um coração
bom e quando entramos no mar, encontramos de novo uma sintonia e sinto que ele
tem um cuidado comigo e quer me mostrar as coisas bonitas que já viu. Aqui tenho nadado muito
até o fundo, o mar aqui é calmo, parece que quer sempre
nos agradar com águas
claras e como há
mtas pedras, vemos muitos peixes e bichos estranhos do mar (eu trouxe óculos de
natação e ele tem snorkel e pés de pato)... Têm sido momentos lindos esse contato com o mar e
sua “população” rs. O Ricardo, o outro cearense, é uma pessoa incrível, calmo, sensato, inteligente. Tem 26 anos e
já está qualificado no doutorado. É humilde e veio de uma família simples do Ceará. Gosto muito de conversar com
ele, e viramos bons amigos. Já
saímos algumas vezes só os dois porque o Henrique
surta, toma ritalina e fica numas nóias de escrever artigo...
Tarrafal tem uma
praia linda. É
uma cidade que de longe lembra Paraty, mas 378 vezes mais calma. Fomos na sexta
pela manhã
e voltamos sábado
a tardinha... Chegando em casa eu tive um surto nervoso que agora eu estou até com vergonha. [censurado!] A
professora Gertrudes veio até
aqui, e eu estava nervosa, quase chorando, brava... mas era tudo sintoma de um
bodezinho de quem se sentia sozinha e só queria tomar um banho e ficar quietinha, sabe.... É intercâmbio é uma delícia, mas também tem essa coisa de solidão que bate forte no peito... e tinha um churrasco na casa do cara q eu pedi ajuda e os caras ficavam me
chamando pra comer, tomar cerveja, pra eu ñ ficar nervosa, pra eu me acalmar e eu só tinha
vontade de mandá-los a merda... rs.... Depois me arrependi pq tinha um
ex-professor da universidade aqui q era bonitinho... Enfim, logo a mulher
chegou e eu entrei em casa e o bote foi passando...
Ela é bem legal. Conversamos bastante e hoje
ela me contou que é
adotada. O pai era militar. Trabalhou na ditadura. Ela só descobriu que era adotada aos
20 anos. Descobriu na busca que nasceu de uma militante presa na ditadura, na
cadeia. Q a certidão
de nascimento era falsa. Ou seja, o pai, milico, pegou ela da mãe biológica e fez uma falsa adoção... Eu jamais
imaginei que saberia uma história dessas de alguém com quem eu estava tomando café da manhã de pijama num domingo de
sol.... Agora ela procura pelo pai que a mãe biológica ñ quer contar quem é. Sim, ela encontrou a mãe, mas os pais adotivos não sabem. O pai adotivo já morreu....
Ao mesmo tempo, ela
me fez surtar com a tese. Falou mal do Boaventura de S. Santos. Me fez pensar várias coisas e me sinto de novo
na estaca zero, mas apesar disso, acho que ela pode me ajudar. Boaventura é um português, homem, hétero que quer falar
dos países colonizados do sul. Em síntese, ele faz a laranjada, mas
a laranja é
nossa. Seria paradoxal eu falar do epistemicídio usando o referencial, de novo, de um europeu
que nos tira o lugar de fala, e como eu não pensei nisso antes,
gente?!?!?!?!?!?!?!?!!!! Tô
em surto com a tese, me sentindo estúpida e incapaz.... ela me convidou pra
participar das reuniões
do CLE e me parece ser uma possibilidade interessante, mas me sinto burra pra
esse grupo... rs... Quero abrir um quiosque e vender cerveja na praia aqui, já que eles ainda não se atentaram pra esse nicho
de mercado, nem mesmo os chineses que estão aos montes por aqui também (e só "se reproduzem entre eles", segundo o Henrique, pois é, eu disse q ele fala bobagens...rs).
Como vêm, continuo
egocêntrica e com uma necessidade enorme de contar tudo de-ta-lha-da-men-te pra
vocês. Sinto falta de vocês todos os dias e fico feliz com cada mensagem que
chega. As cartas foram as coisas mais lindas que eu podia receber e me deixou
mais feliz. Foi como chocolate quente da Copenhagen num dia frio.
Angel, eu vou
sempre querer saber de você. Quero saber das suas artes. Dos seus contos. Das
suas plantas e dos gatos. Talvez a gnt se torne as velhas dos gatos e tudo bem
se isso nos fizer felizes, né? Sei que você tem uma força e que é mto chato ser
tão forte as vezes, pq a gnt quer mesmo ter o direito de surtar e pedir colo.
Fico feliz de você ter pessoas como a Mirela e a Thaís com você e aí percebo
que atingimos o ponto do amor mesmo. Porque não senti ciúmes, como acontece com
relações inconstantes, senti uma alegria confortante em saber que há pessoas
especiais ao seu lado e torci para que elas possam ser todo o colo que você
precisa, enquanto eu não estou aí pra ser parte desse colo também...
Marina, eu admiro
tanto a sua lucidez em dizer coisas bonitas sem ser piegas e pensar no amor de
forma tão racional, mas ao mesmo se entregar com a loucura dos que amam
inconsequentemente. Gosto disso. Quando é que vai ter um cara que vai perceber
que a gente é mesmo muito foda e sim, isso é motivo mais que suficiente pra
querer fazer qualquer coisa pra ficar com a gente? Bom, na pior das hipóteses,
seremos as velhas dos gatos, e dos cachorros também, por que não?
Eu já escrevi
demais, sem a beleza da arte da angel, sem o toque de poesia da escrita da
marina, mas com todo o amor de quem se sabe feliz, mesmo em momentos tristes,
por saber que tem a sorte de encontrar pessoas que me tornam uma pessoa melhor
a cada dia!
Amo vocês.
“Não vejo a hora de
te encontrar, e continuar aquela conversa, que não terminamos ontem...”
Mirian J