Para que serve a utopia?

"A Utopia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos, ela se distanciará dez passos. Quanto mais a procure, menos a encontrarei. Qual sua utilidade, então? A utopia serve para isso, para caminhar!"
Fernando Birri (diretor de cinema)
http://www.youtube.com/watch?v=Z3A9NybYZj8

domingo, 27 de janeiro de 2019

Estou a 2 passos...

e não é do paraíso... A dois dias de defender o doutorado. Foram quase 5 anos e entre estudos e arrumações dos arquivos acumulados ao longo desse tempo encontro pérolas como essa carta a duas pessoas que são parte fundamental desse processo todo que é "doutorar."...
A carta foi escrita em 5 de dezembro de 2016. O lugar era Praia, Cabo Verde, África!!! De lá para cá já são mais de 2 anos e muitas mudanças também... Muitas! 


“estranho seria se eu não me apaixonasse por vocês...”

É difícil escrever para duas das pessoas que me fazem lembrar que talvez exista um Deus e que apesar dos meus melodramas classe média sofre, Ele na verdade, na possibilidade de ser, é bem legal comigo ao colocar pessoinhas pra cruzar o meu caminho nesse jogo sádico que as religiões nos contam sobre um Deus que existe pra controlar tudo que acontece no mundo.
Lembro com carinho de vocês. Falo de vocês. Os cearenses já conhecem vocês. Eles sabem que a Angel é foda e uma artista do caralho e com quem eu tive uma sintonia instantânea. Que a Marina é a engenheira mais humanoide que existe, escreve bem pra caralho, e que está fazendo um mochilão pela América do sul. Sabem que vocês são o melhor que me aconteceu no doutorado e que, “””””””só””””””” por isso, valeu a pena estar nesse rito acadêmico que eu ainda não sei muito bem como vou fazer, e pra que serve... mas que me sinto na responsabilidade de encontrar um caminho e que, no fim, isso possa minimamente contribuir com esse mundo bizarro de egos científicos e sensos comuns que dialogam na busca egocêntrica por “ser alguém na vida”. Não sei ainda se isso é possível e, se conseguir alcançar uma possibilidade nesse caminho, talvez já me sinta realizada.
Por aqui as coisas vão bem... Acho que tive uma queda emocional nos últimos dias e fiquei meio bodiada. Foi o celular que pifou. Depois a viagem pra Tarrafal, que foi boa, mas me senti muito sozinha, mesmo com os meninos. E sobre o Henrique... Ele é egocêntrico e hiperativo, não sabe se comportar muito nos lugares, rs, mas tem um coração bom e quando entramos no mar, encontramos de novo uma sintonia e sinto que ele tem um cuidado comigo e quer me mostrar as coisas bonitas que já viu. Aqui tenho nadado muito até o fundo, o mar aqui é calmo, parece que quer sempre nos agradar com águas claras e como há mtas pedras, vemos muitos peixes e bichos estranhos do mar (eu trouxe óculos de natação e ele tem snorkel e pés de pato)... Têm sido momentos lindos esse contato com o mar e sua “população” rs. O Ricardo, o outro cearense, é uma pessoa incrível, calmo, sensato, inteligente. Tem 26 anos e já está qualificado no doutorado. É humilde e veio de uma família simples do Ceará. Gosto muito de conversar com ele, e viramos bons amigos. Já saímos algumas vezes só os dois porque o Henrique surta, toma ritalina e fica numas nóias de escrever artigo...
Tarrafal tem uma praia linda. É uma cidade que de longe lembra Paraty, mas 378 vezes mais calma. Fomos na sexta pela manhã e voltamos sábado a tardinha... Chegando em casa eu tive um surto nervoso que agora eu estou até com vergonha.  [censurado!]   A professora Gertrudes veio até aqui, e eu estava nervosa, quase chorando, brava... mas era tudo sintoma de um bodezinho de quem se sentia sozinha e só queria tomar um banho e ficar quietinha, sabe.... É intercâmbio é uma delícia, mas também tem essa coisa de solidão que bate forte no peito... e tinha um churrasco na casa do cara q eu pedi ajuda e os caras ficavam me chamando pra comer, tomar cerveja, pra eu ñ ficar nervosa, pra eu me acalmar e eu só tinha vontade de mandá-los a merda... rs.... Depois me arrependi pq tinha um ex-professor da universidade aqui q era bonitinho... Enfim, logo a mulher chegou e eu entrei em casa e o bote foi passando...
Ela é bem legal. Conversamos bastante e hoje ela me contou que é adotada. O pai era militar. Trabalhou na ditadura. Ela só descobriu que era adotada aos 20 anos. Descobriu na busca que nasceu de uma militante presa na ditadura, na cadeia. Q a certidão de nascimento era falsa. Ou seja, o pai, milico, pegou ela da mãe biológica e fez uma falsa adoção... Eu jamais imaginei que saberia uma história dessas de alguém com quem eu estava tomando café da manhã de pijama num domingo de sol.... Agora ela procura pelo pai que a mãe biológica ñ quer contar quem é. Sim, ela encontrou a mãe, mas os pais adotivos não sabem. O pai adotivo já morreu....
Ao mesmo tempo, ela me fez surtar com a tese. Falou mal do Boaventura de S. Santos. Me fez pensar várias coisas e me sinto de novo na estaca zero, mas apesar disso, acho que ela pode me ajudar. Boaventura é um português, homem, hétero que quer falar dos países colonizados do sul. Em síntese, ele faz a laranjada, mas a laranja é nossa. Seria paradoxal eu falar do epistemicídio usando o referencial, de novo, de um europeu que nos tira o lugar de fala, e como eu não pensei nisso antes, gente?!?!?!?!?!?!?!?!!!! Tô em surto com a tese, me sentindo estúpida e incapaz.... ela me convidou pra participar das reuniões do CLE e me parece ser uma possibilidade interessante, mas me sinto burra pra esse grupo... rs... Quero abrir um quiosque e vender cerveja na praia aqui, já que eles ainda não se atentaram pra esse nicho de mercado, nem mesmo os chineses que estão aos montes por aqui também (e só "se reproduzem entre eles", segundo o Henrique, pois é, eu disse q ele fala bobagens...rs).
Como vêm, continuo egocêntrica e com uma necessidade enorme de contar tudo de-ta-lha-da-men-te pra vocês. Sinto falta de vocês todos os dias e fico feliz com cada mensagem que chega. As cartas foram as coisas mais lindas que eu podia receber e me deixou mais feliz. Foi como chocolate quente da Copenhagen num dia frio.
Angel, eu vou sempre querer saber de você. Quero saber das suas artes. Dos seus contos. Das suas plantas e dos gatos. Talvez a gnt se torne as velhas dos gatos e tudo bem se isso nos fizer felizes, né? Sei que você tem uma força e que é mto chato ser tão forte as vezes, pq a gnt quer mesmo ter o direito de surtar e pedir colo. Fico feliz de você ter pessoas como a Mirela e a Thaís com você e aí percebo que atingimos o ponto do amor mesmo. Porque não senti ciúmes, como acontece com relações inconstantes, senti uma alegria confortante em saber que há pessoas especiais ao seu lado e torci para que elas possam ser todo o colo que você precisa, enquanto eu não estou aí pra ser parte desse colo também...
Marina, eu admiro tanto a sua lucidez em dizer coisas bonitas sem ser piegas e pensar no amor de forma tão racional, mas ao mesmo se entregar com a loucura dos que amam inconsequentemente. Gosto disso. Quando é que vai ter um cara que vai perceber que a gente é mesmo muito foda e sim, isso é motivo mais que suficiente pra querer fazer qualquer coisa pra ficar com a gente? Bom, na pior das hipóteses, seremos as velhas dos gatos, e dos cachorros também, por que não?
Eu já escrevi demais, sem a beleza da arte da angel, sem o toque de poesia da escrita da marina, mas com todo o amor de quem se sabe feliz, mesmo em momentos tristes, por saber que tem a sorte de encontrar pessoas que me tornam uma pessoa melhor a cada dia!
Amo vocês.
“Não vejo a hora de te encontrar, e continuar aquela conversa, que não terminamos ontem...”

Mirian J 

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