Para que serve a utopia?

"A Utopia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos, ela se distanciará dez passos. Quanto mais a procure, menos a encontrarei. Qual sua utilidade, então? A utopia serve para isso, para caminhar!"
Fernando Birri (diretor de cinema)
http://www.youtube.com/watch?v=Z3A9NybYZj8

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

“eu fico com a pureza da resposta das crianças...”


E lá se foi um semestre.
Semestre de poucas palavras por aqui. Só por aqui.
Vida profissional a todo vapor. E de repente eu era a nova diretora do Colégio no qual fui aluna há mais de dez anos... Então eu passei da vida [quase] pacata das segundas free, às manhãs agitadas como diretora/coordenadora/professora... Era muito “ora” pra uma pessoa só...  
Tinha ainda a tutoria do EVC, uma turma nova, a terceira!!! E mais novidades e mais responsabilidades.
É, eu estou mesmo no mundo de “gente grande”. Parece que não dá mais pra fugir.  
Medo, ansiedade e insegurança são apenas algumas poucas palavras que descrevem o furacão na qual me vi colocada. Palavras que me paralisaram tantas vezes, mas não as mais importantes. Jamais.
Amor. Amizade. Alegria. Esperança. Aprendizagem. Desafios. Essas sim são palavras que encheram meus dias. Fora os leões que teimavam em me atacar constantemente. E foi quase um por dia... as vezes era só um filhotinho, e aí com muito carinho e compreensão as coisas iam se ajeitando. As vezes era um leão velho, bravo e era preciso ir com tudo pra cima. E eu fui. Mesmo morrendo de medo.
E lá se foi agosto, setembro, outubro, novembro... coração apertado. Dizer tchau pra tudo de bonito que se construiu nunca é tarefa fácil. Esta não foi menos difícil.
Diminuímos a dor do até logo com abraços apertados e lágrimas que teimavam em escapar para dizer que valeu a pena!
Minhas manhãs nunca mais serão as mesmas... Conviver com a alegria e a esperteza que insistimos em tentar podar com a objetividade fria do mundo adulto é o que há de mais rico neste mundo. É por isso que estou com Gonzaguinha, “eu fico com a pureza da resposta das crianças, é a vida, é bonita e é bonita.”
 

terça-feira, 25 de junho de 2013

"Não há saber mais ou saber menos, há saberes diferentes..." (Paulo Freire)

Por que diferentes conhecimentos devem ter diferentes valores?
Por que uma sociedade que ainda não garante educação pública gratuita de qualidade a todos os seus cidadãos e cidadãs pode querer pautar os salários com base apenas no conhecimento acumulado pelas academias, desmerecendo o valor do conhecimento menos erudito? Não entendo.
E ainda que a educação se universalize também na sua qualidade, precisamos mesmo que todos se tornem doutores? Então não precisamos mais de pedreiros, encanadores, domésticas, eletricistas... Precisamos, mas ainda assim, estes não merecem bons salários?!?
Esse tipo de pensamento só deixa ainda mais claro como a nossa elite não vê com bons olhos que pessoas que não frequentaram os mesmos bancos escolares que ela frequentou possam ganhar dinheiro e garantir uma possibilidade social menos desigual.
Posso dizer por experiência. Era comum no Ensino médio os professores humilharem os alunos (bastante didático!!! Só que não!) dizendo que os mesmos tinham “letra de pedreiro!!!”. Eu, filha de pedreiro, uma vez fui contestar e o professor insistiu que meu pai não era pedreiro, mas sim, mestre de obras. Oi? Então ele não achava possível que um pedreiro pudesse pagar o seu salário? 
Para legitimar esse pensamento vale tudo: comparar salário de médico cirurgião do interior com um atendimento de pedreiro domiciliar em uma região metropolita de São Paulo. Ora, eu pergunto: Se vamos comparar, que comparemos ao menos na mesma região. Quanto lhe cobraria um cirurgião por um atendimento doméstico?
Não estou dizendo que o salário e as condições dos médicos em grande parte dos hospitais públicos do Brasil são boas, não são. Não precisa ser um grande estudioso para constatar esses dados. No entanto, não nos damos por satisfeitos ao questionarmos essas condições dos médicos, precisamos esbravejar nosso rancor em pagar decentemente por um trabalho não erudito, que não somos capazes de fazer, mas que achamos que o outro, deve sim fazer por menos para nós.
Mas sim, somos homens e mulheres de bem. Justos. Só não gostamos de pagar impostos tão caros e ver gente sem estudo ganhando tanto. Afinal, classe média já sofre muito.

sábado, 4 de maio de 2013

E me disseram que tenho medo de mudar de opinião. Sim eu tenho. Não pelo medo de pensar diferente do que penso hoje. Porque não sou uma “meio intelectual meio de esquerda” que acabou de ingressar num curso de Humanas e está encantada com as... teorias marxistas. Não. Entrei na Universidade há quase dez anos. Marx, inclusive, demorou um bom tempo para fazer sentido, porque não é tão simples e superficial como os memes do facebook. Fiz graduação, especialização, mestrado. Quanto mais conheço das teorias e do mundo é que as ideias da esquerda me convencem como verdade para um mundo melhor, no qual reconheço minhas responsabilidades individuais tendo em vista bens coletivos. Então, não é que eu tenha medo de mudar de opinião por um idealismo juvenil impensado, insensato; meu medo é o de mudar e me tornar mais uma no mundo pensando igual a maioria apenas pelo comodismo do intelectualismo de sofá. Ver mais

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Um tapinha não dói


Um tapinha não dói. Bata nas crianças para educá-las, e depois jogue-as na cadeia ao cometerem um ato de violência, porque isto não pode.

“Filho, mas não pode bater no coleguinha, se você fizer de novo, você vai apanhar!”

Ora, eduquemos aos tapas então! Vamos dar “tapinhas” no chefe que te humilha diariamente com suas piadinhas infames. Ah não pode? Ele tem poder. Então bata na sua empregada, agora que ela resolveu exigir seus direitos, depois dessa maluquice de PEC das domésticas. Não pode! Dá processo? Ah, mas bater na criança, menor que você, em formação moral e indefesa, pode?

Então me explica direito esse tipo de educação aí, porque olha só, eu já estudei muito sobre isso e não encontrei um teórico sequer que defendesse a violência para educar. Sim, “só um tapinha” é violência. Vamos lá, eu te explico: Se você brigar com sua esposa ou esposo, você acha coerente que se encerre o problema com um “tapinha”? (Se você responder sim, e coloca isso em prática, corre o risco de ser enquadrado na Lei Maria da Penha, vale lembrar!) Se respondeu não (e quero acreditar que essa tenha sido a sua resposta!), então por que você acha que faz sentido educar uma criança que você colocou no mundo com um tapa??? Porque você pensa que entre adultos o tapa não pode (bingo!), mas com a criança, menor e mais indefesa, pode? Qual o sentido nisso? Por que você acha que é por meio da dor, da vergonha e da punição violenta que se educa? Ah sim, é mais fácil, porque a criança chora, fica com medo e o assunto se encerra rápido. Mas acredite, você não educou. Você, dentre muitas coisas, pode ter constrangido, criado medo, insegurança, vergonha, raiva, mas não educação e responsabilidade pelos atos.

Defender uma educação de qualidade não passa, nem de longe, por uma educação autoritária, punitiva. Passa por exigir uma educação crítica, que ajude e pensar o mundo e não a obedecer ao status quo.

É interessante notar como as pessoas têm se demonstrado interessadas em discutir as diversas polêmicas ultimamente e penso ser muito válido que a população se pronuncie, opine. Mas é muito perigoso o senso comum que beira as discussões e como são ignorados os profissionais que dedicam anos de sua vida a estudar tais assuntos.

“Pois eu apanhei muito e me tornei um cidadão de bem.” (conceito que venho questionando ultimamente e falei um pouco no post anterior).

Se você é mesmo um cidadão de bem, há mais possibilidades de ter sido o amor, não a dor, que lhe fez assim.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

"Queria ver se fosse com você..." Pois foi, meu caro, foi comigo!


E vinha pensando se a minha omissão para o tão batido "Queria ver se fosse com você”, argumento que tenta justificar punições cada vez mais severas, cada vez mais cedo e está em 100% das polêmicas que andam dando muito trabalho para os criadores de memes de facebook, não estava indo longe demais. Ao ler a entrevista da jornalista Luiza Pastor, estuprada por um menor e contra a redução da maioridade penal, pensei ser a hora e escrever a minha história também.

O desabafo da jornalista mostra a lucidez de alguém capaz de pensar para além do seu umbiguinho, no entanto, os comentários de leitores demonstram ainda, além da violência embutida nos “homens de bem”, ou nos não bandidos, como se pronunciam, o machismo nosso de cada dia, nem tão implícito assim. “Pois então ela gostou.” Se por um lado, reafirmo a minha fé na humanidade ao encontrar com seres humanos capazes de pensar para além da sua dor, por outro, a péssima mania de acompanhar os comentários, reforçam também a dúvida nesta, angustiante paradoxo este.

16 de julho de 2005. Praia Grande/SP. Não fui estuprada. Não sei o que é passar por uma violência dessas, mas tive meu pai assassinado em uma viagem de férias típica da classe média. Meu pai, pedreiro e professor de matemática da rede estadual de ensino, estava lá apenas para subir ainda mais os muros da casa de praia de um amigo, que andava mais preocupado com a segurança do lugar. Enquanto isso, minha mãe, eu e alguns amigos, estávamos para curtir a praia.

Era sábado de manhã, o muro já estava erguido e seria dia de praia e churrasco no fim do dia. Os planos mudaram drasticamente. Estávamos em casa, muitos dormindo ainda. Fui acordada sendo sacudida por um homem armado. Fomos encaminhados para um quartinho e depois de estarmos todos lá, meu pai, junto dos outros homens da casa (eram 3), reagiu. Presas no quarto, ouvíamos a briga, quebra-quebra e vários tiros. Até que os assaltantes, talvez ainda adolescentes, fugiram e meu pai estava baleado.

A notícia da sua morte veio no hospital por um nada sensível médico...

[...]

Uma história dessas pode acontecer com qualquer um, menos com você. Você vê na TV diariamente, sabe de um caso com um primo de um conhecido, mas com você não, não pode. É isso que se passa na cabeça até que não seja mais possível fugir da realidade estampada na tragédia anunciada à sua frente.

Eu era uma estudante de pedagogia do 2º ano e as teorias sociológicas já faziam algum sentido para mim e então eu queria entender como um ser humano era capaz de matar outro ser humano... Essa pergunta martelou na minha cabeça ainda mais forte a partir daquele momento. Foi alguns anos depois que uma pergunta me trouxe a clareza em qual lado eu estava: vingança ou justiça social, afinal? “Mirian, você nunca teve vontade de matar quem matou o seu pai?” Dei-me conta que não, não mesmo. Não consigo pensar em deitar e conseguir dormir pensando ter sido capaz de tirar a vida de alguém. Na época torci para que fossem presos sim, não por vingança, mas porque sabia a dor que a situação causara e não desejava aquilo para mais ninguém, era isso. Nem por isso desejei ao menos um sistema penitenciário cruel que fizessem com que ali saíssem com mais ódio de tudo e "piores" do que entraram. Nunca soube se foram encontrados e presos, mas eu finalmente tinha claro para mim de que lado estava.

Confesso que não é fácil estar desse lado, porque o mundo te cobra um desejo por vingança, e pensar diferente, coloca em xeque a sensibilidade sobre a sua própria dor. É preciso uma clareza que nem sempre é possível manter. Mas confesso que com os debates sobre a redução da maioridade penal tenho ficado ainda mais forte nas minhas convicções. Ao ler os argumentos das pessoas contras, além dos mimimis “Queria ver se fosse com você”, há os que desejam barbáries para as pessoas que pensam diferente. Juro que não entendo por que essas pessoas se acham melhores que os “bandidos” que querem enjaular ou pior, a pena de morte, uma vez que ao encontrarem com pessoas que discordam de suas opiniões, claramente esbravejam e desejam crimes tão ou, geralmente, mais horrendos dos que os já cometidos!!

Tenho medo da violência que todos têm, mas tenho ainda mais medo desse ódio impensado, camuflado pelos "cidadãos de bem", muitas vezes, usando o nome de Deus e da família... Ah esses cristãos que se esquecem tão facilmente que Jesus deu a outra face. Intriga-me entender o conceito de bondade utilizado nos dias de hoje... Gosto da reflexão que Alex Castro nos proporciona “O mal é a falta de atenção”

“No nosso dia a dia, não temos muitas oportunidades práticas de ativamente não-estuprar, não-roubar, não-torturar, não-cometer-genocídio, etc.
Não-matar não é uma daquelas decisões conscientes que tomo todos os dias e das quais posso (ou não) me orgulhar – assim como, digamos, ir malhar ou não repetir o prato são duas decisões que tomo todos os dias a um custo pessoal considerável.
Ou seja, não posso me considerar bom somente porque nunca matei, roubei, mutilei, joguei judeus no forno ou comprei escravos em Luanda.
O mal é o desejo de vingança sangrenta. O mal é o descaso pelos mais pobres. O mal é a falta de sensibilidade. O mal é a crença numa meritocracia inexistente causadora de tanta violência.

Hoje sigo com mais medo que antes, com mais tristeza que antes, com mais saudade que antes, mas também com mais vontade de um mundo melhor que antes, com mais vontade de brigar e esbravejar por justiça social, por educação pública de qualidade, por políticas de equidade!

Não posso, não devo e não quero como cidadã e educadora pensar que a prisão é a única saída para a violência. A prisão é a saída quando tudo na nossa sociedade já deu errado. Há casos patológicos, e para esses, tratamento adequado. O que digo sempre e insisto em repetir é que a grave patologia que assola o Brasil é a da desigualdade social que permite poucos com tanto e tantos com tão pouco. Enquanto isso for uma realidade pouco questionada, construamos prisões e mais prisões e continuemos a viver na mentira de que elas nos protegerão da violência, enjaulados também nós nos condomínios e carros blindados...


Meu pai, eu e a Pepita lá pelos idos dos anos 90...

quinta-feira, 21 de março de 2013

Lógica perversa


Há uma lógica perversa nos "bons" que acreditam que presos não deveriam ter acesso a Direitos Humanos, direitos estes que visam apenas garantir a dignidade de toda e qualquer pessoa.
Oras, acreditam esses que "bandidos" não merecem qualquer acesso à dignidade por terem infringido, de alguma forma, a integridade dos "bons"; no entanto, ignoram que no Brasil o crime é uma patologia social, alimentada pela exclusão social de muitos, e na manutenção de uma falsa crença de meritocracia, inexistente neste país.
Nega-se veemente o fato de que a desigualdade social, a negação dos direitos de grande parcela da população, coloca em xeque a possibilidade de um status social desejado por muitos e alcançado por poucos. Neste cenário, a melhor opção para muitos é o crime. Quando a melhor opção é a pior das opções,
Diante disso, esbravejam os ”bonzinhos” que os criminosos não têm o direito (e realmente, direito, não têm) de negar às pessoas de “bem” uma vida harmoniosa e feliz e, portanto, merecem a morte, ou ainda, os mais bonzinhos, defendem apenas a penalidade baseada no” Olho por olho, dente por dente”. Pensam e acreditam, fielmente, que se pauta na punição extrema a verdadeira justiça. No entanto, ignoram todas as negações a que essas pessoas passaram.
Mora aí a lógica perversa do “lado do bem”. Para estes, as vítimas da violação dos seus direitos devem apenas lutar contra tudo e todos, sem o direito de se revoltar. Entretanto, as vítimas dos criminosos que a sociedade cria, estes sim, têm todo o direito de se revoltar e desejar por uma justiça sangrenta em nome de uma paz que também é exclusividade dos socialmente aceitos.
Não, eu não defendo falta de punição, defendo apenas uma sociedade com mais justiça social, com distribuição de renda, direitos sociais estendidos a todos e todas. Defendo, embasada nos Direitos Humanas, que se garanta a dignidade humana de toda e qualquer pessoa. Quando alcançarmos isso, aí sim, poderemos falar em verdadeiros bandidos, que hoje, estão, em sua maioria, assumindo cargos importantes deste país. Eleitos pelos bons que marginalizam e criminalizam os que não acessam seus privilégios.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Morro um pouquinho por dia...


É. Eu morri também em Santa Maria... Chocada, indignada, abismada, abalada, triste...

Mas venho morrendo há tempos e continuo morrendo um pouquinho por dia porque a morte ali é a morte cotidiana de jovens que nem sequer puderam sonhar em estar em uma Universidade e morrem todo dia. Morrem na miséria, morrem na ação truculenta da polícia autorizada a desconfiar principalmente de negros e pardos, morrem no estigma social que os marginaliza e os condena a morrerem a cada dia.

Morro um pouquinho por dia quando ouço no noticiário os breves 2 minutos apresentando a morte suspeita, quero dizer, de sete suspeitos, e ouço ao fundo um respiro de alívio acompanhado de um “Menos sete!” dito com muita satisfação.

Morro um pouquinho por dia porque vidas humanas têm valores diferentes na mídia e sociedade brasileiras.

Morro um pouquinho por dia porque a mídia brasileira faz da tragédia humana um espetáculo armado, atravessando a dor dos familiares, amigos, conhecidos...

Morro um pouquinho por dia porque continuam as filas nos hospitais, onde morrem todos os dias crianças, idosos, mulheres grávidas, recém-nascidos... Onde padecem com suas dores doentes terminais sem uma visita, sem um sinal de esperança, sem exército de salvação ou ajuda voluntária.

Morri em Santa Maria. Mas sei que, infelizmente, vou continuar a morrer um pouquinho por dia...

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