Vitória era uma menina feliz. Morava numa casa simples, num vilarejo de chão batido em que as árvores podiam nascer e crescer livremente, sem o concreto lhe apertando as raízes.
Vitória sonhava. Dormindo e acordada. Nos seus devaneios, era heroína e fada madrinha. Caçava borboletas, enfrentava dragões e andava por cometas.
Quando Vitória completou 6 anos, sabia que iria à escola. Seus pais diziam que lá ela seria muito feliz. Que teria amigas e amigos. Que aprenderia muitas coisas e seria sabida.
Vitória passou acordada a noite que antecedia seu primeiro dia na escola, tamanha a ansiedade. E sonhava.
Colocou orgulhosa o seu uniforme, mesmo sem entender ao certo porque teria que usar uma roupa igual a todo mundo. Penteou o cabelo com cuidado e apressada bebeu seu copo de leite fresco com pão caseiro que a mãe fez especialmente para este dia.
Chegou à escola e, apesar do desconhecimento de tudo, estava empolgada. Seus pais diziam: “Filha, você será doutora! Aproveite a chance que nós nunca tivemos!”.
Vitória chegou e logo se assustou com uma sirene alta e ardida que tocou. Sem entender o porquê daquele som, acabou sozinha e perdida num grande espaço concretado até que alguém com voz alta e de tom firme gritou com ela, mandando-o para a fila. Vitória se assustou, mas entendeu logo que era o que todos faziam e, portanto, devia fazer o mesmo e obedeceu.
Assim foram todos os dias. Sirene. Fila. Sala de aula. Nucas. Vitória não entendia como poderia aprender olhando para a nuca dos colegas. Pensava que seria melhor se sentassem em roda, como se fazia nas festas da vila, podendo olhar para os colegas e conversar com todos sobre as novas descobertas.
Vitória sentiu vontade de fazer xixi. Levantou-se e foi ao banheiro. Levou uma bronca. Aprendeu que deveria pedir para ir ao banheiro, ou tomar água. Mas que certo mesmo era que essas coisas fossem feitas durante o intervalo. Não entendeu direito isso de ter hora certa para xixi, mas obedeceu.
Da professora Vitória gostava, ela parecia tão sabida! E com ela aprendeu que “vovô viu a uva”; mas nunca tinha visto ou sentido o sabor da uva. Naquelas terras secas, uva não dava.
Vitória aprendeu português e que o jeito simples como falavam seus pais e avós era errado e feio. Não podia mais. Obedeceu. Ouviu sobre ciências, matemática, geografia, história… Histórias…
Vitória aprendeu também que importante mesmo era o diretor que todo mundo tinha que obedecer, sem questionar. E obedeceu.
Vitória logo aprendeu que não bastava saber, era preciso provar numa folha com perguntas que nem sempre faziam sentido. E aprendeu que conhecimento não se compartilha. E que não bastava saber, precisava saber mais que os outros para ser escolhida a “aluna número 1” e ganhar medalha no final do ano.
Vitória foi passando e recebendo todos os conhecimentos que diziam serem importantes. Teve vários professores. De alguns gostava, sentia admiração. De outros, medo. De alguns chegou a sentir raiva.
Aprendeu que não podia boné. Aprendeu que futebol era só para meninos. Aprendeu que não podia correr. Que não podia gritar. Que não podia brincar. Que não podia sonhar. Que não devia questionar. Não! Não! Não!
Acordou assustada. Olhou em volta, havia uma mariposa na sua janela. Era sinal de sorte. Respirou aliviada. Foi só um pesadelo, pensou. A escola de verdade, seria diferente. Vestiu o uniforme e ajeitou o cabelo com uma fita vermelha que se prendia com um belo laço. O leite fresco e o pão estavam lá. Comeu ansiosa. Caminhou feliz pelo chão de terra. Parecia saber que o pesadelo era sobre coisa que ficou no passado. Que os tempos eram outros e que agora estudantes questionavam, lutavam, e diziam sobre a escola que queriam ter. Que meninas eram verdadeiras lutadoras.
Seria diferente. Seria melhor. Seria bom.