Para que serve a utopia?

"A Utopia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos, ela se distanciará dez passos. Quanto mais a procure, menos a encontrarei. Qual sua utilidade, então? A utopia serve para isso, para caminhar!"
Fernando Birri (diretor de cinema)
http://www.youtube.com/watch?v=Z3A9NybYZj8

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Esperança

Desejo que em 2016 haja renovação de ideias, conceitos, e rumos.
Que a educação seja libertadora.
Desejo que a escola seja um lugar de alegria para todas as crianças e que não haja bullying.
Que as crianças negras se vejam representadas nos cartazes e nas bonecas das escolas.
Desejo que racismo, sexismo, homofobia e todos os preconceitos sejam apenas más lembranças do velho e gasto 2015.
Que não haja cerceamento de ideias. Que, dentre tantas outras, haja discussão sobre gênero.
Desejo que haja alegria no ato de ensinar. E no de aprender.
Desejo que os professores sejam enfim valorizados – social, profissional e financeiramente.
Desejo que a educação se torne prioridade na agenda do poder público – federal, estadual e municipal.
Tenho desejos grandes. Utopias, talvez…
E para que serve a utopia se, estando no horizonte, ao caminhar dez passos, ela se afasta dez passos?
Serve exatamente para isso, para caminhar. (Fernando Birri)
Caminhemos.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Fracasso escolar

Após um ano de estudos e tarefas escolares muitos estudantes já estão em férias. Mas em um sistema que prioriza provas e notas, e não respeita as individualidades, a alegria não vem para todos.
Para quem ficou em recuperação ou já reprovou o ano escolar, o momento é de tristeza e frustração, não apenas para os estudantes, mas também para as famílias que, de forma geral, sempre depositam expectativas de sucesso nas crianças e adolescentes.
A notícia de uma reprovação, qualquer que seja ela, é muitas vezes carregada de tristeza e sentimento de incompetência. Isso acontece porque temos um sistema que culpa o indivíduo, ignorando variáveis que são determinantes para alcançar o que se determinou como sucesso.
O sistema educacional que se tem atualmente legitima a ideia de meritocracia, porém, deslocada do seu verdadeiro significado, pois ignora que nem todos partem do mesmo lugar e com os mesmos bens materiais e culturais, o que, portanto, invalida a concepção meritocrática.
Apesar disso, somos levados a crer que basta o esforço individual para alcançar o sucesso capitalista, desconsiderando que as desigualdades – econômicas, culturais, sociais, raciais, de gênero, entre outras – impactam determinantemente o percurso trilhado por cada um.
Como esperar de um estudante com uma família pobre, sem acesso a bens materiais e culturais o mesmo resultado de um estudante abastado com acesso aos mais diversos benefícios e privilégios que o ajudarão a subir a escada rumo ao sucesso?
Como esperar de um estudante com habilidade para artes o mesmo sucesso escolar de um estudante com habilidades para disciplinas em exatas, num currículo elaborado para priorizar estas últimas?
A reprovação nem sempre é sinônimo de falta de esforço individual, pode ser, dentre tantas coisas, uma falta de habilidade em ser subserviente a um sistema que tem servido mais para normatizar e homogeneizar, que para ensinar a pensar.
É um sistema fadado ao fracasso escolar e temos fracassado como sistema escolar.
Fracassamos quando não conseguimos despertar nos estudantes o desejo e satisfação pela aprendizagem. Fracassamos quando valorizamos mais a nota, que o conhecimento de fato. Fracassamos quando excluímos mais que acolhemos. Quando valorizamos uma disciplina em detrimento de outra. Fracassamos quando formamos indivíduos individualistas, obedientes e não questionadores. Fracassamos quando ignoramos as diversidades e potencialidades dos estudantes e quando dizemos a eles que a escola é importante para o futuro, ignorando a vida que pulsa no presente.
Ao não respeitar as individualidades, desejos e habilidades dos estudantes, esperar que todos alcancem o aclamado sucesso é apenas mais uma alienação construída por um sistema que a escola se incube de refletir e legitimar. Um sistema que se isenta de suas mazelas e da sua ideologia meritocrática distorcida e perversa que dissemina a crença que qualquer um pode ser bem sucedido. Qualquer um, não todos.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Vitória!

Vitória era uma menina feliz. Morava numa casa simples, num vilarejo de chão batido em que as árvores podiam nascer e crescer livremente, sem o concreto lhe apertando as raízes.
Vitória sonhava. Dormindo e acordada. Nos seus devaneios, era heroína e fada madrinha. Caçava borboletas, enfrentava dragões e andava por cometas.
Quando Vitória completou 6 anos, sabia que iria à escola. Seus pais diziam que lá ela seria muito feliz. Que teria amigas e amigos. Que aprenderia muitas coisas e seria sabida.
Vitória passou acordada a noite que antecedia seu primeiro dia na escola, tamanha a ansiedade. E sonhava.
Colocou orgulhosa o seu uniforme, mesmo sem entender ao certo porque teria que usar uma roupa igual a todo mundo. Penteou o cabelo com cuidado e apressada bebeu seu copo de leite fresco com pão caseiro que a mãe fez especialmente para este dia.
Chegou à escola e, apesar do desconhecimento de tudo, estava empolgada. Seus pais diziam: “Filha, você será doutora! Aproveite a chance que nós nunca tivemos!”.
Vitória chegou e logo se assustou com uma sirene alta e ardida que tocou. Sem entender o porquê daquele som, acabou sozinha e perdida num grande espaço concretado até que alguém com voz alta e de tom firme gritou com ela, mandando-o para a fila. Vitória se assustou, mas entendeu logo que era o que todos faziam e, portanto, devia fazer o mesmo e obedeceu.
Assim foram todos os dias. Sirene. Fila. Sala de aula. Nucas. Vitória não entendia como poderia aprender olhando para a nuca dos colegas. Pensava que seria melhor se sentassem em roda, como se fazia nas festas da vila, podendo olhar para os colegas e conversar com todos sobre as novas descobertas.
Vitória sentiu vontade de fazer xixi. Levantou-se e foi ao banheiro. Levou uma bronca. Aprendeu que deveria pedir para ir ao banheiro, ou tomar água. Mas que certo mesmo era que essas coisas fossem feitas durante o intervalo. Não entendeu direito isso de ter hora certa para xixi, mas obedeceu.
Da professora Vitória gostava, ela parecia tão sabida! E com ela aprendeu que “vovô viu a uva”; mas nunca tinha visto ou sentido o sabor da uva. Naquelas terras secas, uva não dava.
Vitória aprendeu português e que o jeito simples como falavam seus pais e avós era errado e feio. Não podia mais. Obedeceu. Ouviu sobre ciências, matemática, geografia, história… Histórias…
Vitória aprendeu também que importante mesmo era o diretor que todo mundo tinha que obedecer, sem questionar. E obedeceu.
Vitória logo aprendeu que não bastava saber, era preciso provar numa folha com perguntas que nem sempre faziam sentido. E aprendeu que conhecimento não se compartilha. E que não bastava saber, precisava saber mais que os outros para ser escolhida a “aluna número 1” e ganhar medalha no final do ano.
Vitória foi passando e recebendo todos os conhecimentos que diziam serem importantes. Teve vários professores. De alguns gostava, sentia admiração. De outros, medo. De alguns chegou a sentir raiva.
Aprendeu que não podia boné. Aprendeu que futebol era só para meninos. Aprendeu que não podia correr. Que não podia gritar. Que não podia brincar. Que não podia sonhar. Que não devia questionar. Não! Não! Não!
Acordou assustada. Olhou em volta, havia uma mariposa na sua janela. Era sinal de sorte. Respirou aliviada. Foi só um pesadelo, pensou. A escola de verdade, seria diferente. Vestiu o uniforme e ajeitou o cabelo com uma fita vermelha que se prendia com um belo laço. O leite fresco e o pão estavam lá. Comeu ansiosa. Caminhou feliz pelo chão de terra. Parecia saber que o pesadelo era sobre coisa que ficou no passado. Que os tempos eram outros e que agora estudantes questionavam, lutavam, e diziam sobre a escola que queriam ter. Que meninas eram verdadeiras lutadoras.
Seria diferente. Seria melhor. Seria bom.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

#SomosTodosFanfarrões

Chegamos a dezembro e o cenário que se apresenta parece apontar poucos motivos para comemorar. Crise política, crise mundial, crise econômica, refugiados, racismo, homofobia, intolerância religiosa… Bom seria se um ponto final fechasse essa frase, mas não. O abismo parece não ter fim.
Uma empresa privada derrama lama sobre uma comunidade inteira, mata pessoas, animais, a fauna e a flora, um rio, chega ao mar, mais matança e nada acontece. Um grupo resolve protestar contra o maior crime ambiental da história do Brasil jogando um pouco de lama no Congresso e é preso por dano ambiental.
Cinco jovens que voltavam de um parque no Rio de Janeiro são metralhados com mais de 60 tiros pela polícia militar e quem se preocupa em dar explicações são as famílias. “Meu filho terminou o curso técnico”. “Meu filho fazia inglês”. “Meu filho era estudante”. “Meu filho estava comemorando o primeiro salário no emprego.” Da polícia a tentativa de forjar um auto de resistência. Da sociedade, silêncio. Não tem passeata com todos vestindo branco pela orla da zona sul. Não há pedidos de paz. Resta apenas a desconfiança sobre a honra desses meninos, pretos e pobres, suspeitos desde o nascimento.
Maju Coutinho, Thaís Araújo e Cris Vianna, mulheres negras vítimas de racismo em pleno século XXI, mas há ainda quem insista em dizer que não existe racismo no Brasil e que por aqui, o problema é só social. E viva a crença na democracia racial!
Da utopia de que a educação pode ser o refúgio de todo esse cenário, a partir de um projeto de educação que leve nossas crianças e jovens a uma vivência social mais saudável, somos sacudidos pelas repressões diversas: não podemos falar de gênero, grupos evangélicos proíbem o cumprimento da lei que trata da história e cultura e africanas e afro-brasileira e, para completar, a cereja do bolo, a PM bate em estudante que luta para permanecer na escola, contra a re(des)organização que, por decreto, insiste o governador Geraldo Alckmin.
O governador enfim percebeu que a educação é a arma mais perigosa contra o sistema que quer manter e já declarou guerra aos estudantes e professores que ousarem enfrentar sua política de sucateamento.
Aliás, bom momento para quem sempre se posicionou contra as cotas, com o argumento de que a saída para as desigualdades está apenas na melhoria da educação básica, juntar-se à luta dos estudantes para evitar que quase uma centena de escolas seja fechada e que 311 mil estudantes tenham suas vidas impactadas. Bom momento para se posicionar contra a PM truculenta que a mando do governador pega estudante pelo colarinho, pisa, bate, paralisa com spray de pimenta e bombas de gás estudantes que lutam pela educação pública. – Se bandido bom é bandido morto, estudante bom é estudante preso?
Devemos estar muito doentes para assistir pacificamente a tudo isso e ainda encontrar forças para bater panela contra um único partido acreditando que assim salvaremos o Brasil de tudo o que há de ruim por aqui.
Se a saída é bater panelas, peguemos as nossas e façamos uma grande fanfarra, porque motivos para se indignar e batucar há por todos os lados e partidos: do federal ao municipal. E “vamos às atividades do dia: lavar os copos, contar os corpos e sorrir, a essa morna rebeldia.” (Criolo).

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