Para que serve a utopia?

"A Utopia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos, ela se distanciará dez passos. Quanto mais a procure, menos a encontrarei. Qual sua utilidade, então? A utopia serve para isso, para caminhar!"
Fernando Birri (diretor de cinema)
http://www.youtube.com/watch?v=Z3A9NybYZj8

sexta-feira, 4 de março de 2016

O som das panelas

Muito me indigna a indignação seletiva sobre os casos de corrupção, a indignação que vira notícia em horário nobre pela mesma mídia [corrupta!] que a causou e ignora o fato da corrupção ser um mal fincado neste país desde a sua invasão pelos europeus.
Enquanto batem panelas que sempre estiveram cheias de bons alimentos, como crianças mimadas que não querem ouvir o que o outro tem a dizer, ignoram as panelas vazias nas escolas públicas estaduais de São Paulo em função de um esquema, já denunciado, de corrupção no contrato com empresas fornecedoras de merenda, mas bem pouco explorado pela sempre tão indignada grande mídia.
Em um país no qual muitas crianças vão à escola primeiramente pela (até então) garantia de receber uma alimentação saudável e nutritiva, esse crime torna-se ainda muito mais odioso. Leandro Karnal, historiador e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), expressou no jornal do canal Cultura sua indignação sobre o assunto: “de todos os tipos de canalha, canalha que rouba de aluno pobre de escola pública, este realmente, eu que sou contra a pena de morte, é o único momento em que a minha decisão fica abalada. Realmente é um crime hediondo você lesar crianças e escola. […] Quem está roubando a merenda das crianças de São Paulo?”
Vale lembrar que só faz sentido falar em meritocracia, quando todos têm o mesmo ponto de partida. Quando a diferença já começa por “quem come” e “quem não come”, a meritocracia nada mais é que um discurso ideológico para perpetuar privilégios.
Para além da necessidade de muitas crianças de ter ao menos uma refeição adequada ao dia, soma-se o direito de todas as crianças de receber na escola pública uma alimentação rica e balanceada nutricionalmente.
Qualquer profissional da educação minimamente preparado sabe que ter os aspectos fisiológicos supridos – respiração, alimentação, sono… – é a base essencial para que se possa aprender e, portanto, “roubar comida da boca de crianças” é um ato que impede diretamente a aprendizagem delas. Dentro da luta por educação de qualidade, deve estar atrelada a luta por uma merenda rica nutricionalmente e saborosa, capaz de garantir os recursos mínimos para promover a aprendizagem de todas as crianças.
Assim, a “merenda” é um dos fatos pelo qual eu acredito que valha a pena lutar pela garantia do direito a uma escola pública gratuita e de qualidade. Ao conceber a educação como uma ação muito mais ampla que o mero ensino técnico de habilidades cognitivas, entendo a merenda como um ato educativo à medida que oferece diversidade de alimentos e possibilita o desenvolvimento de hábitos saudáveis de alimentação. Uma merenda nutritiva e saborosa pode ainda evitar o consumo de biscoitos, salgadinhos e refrigerantes que, além de muito calóricos, são pobres em valores nutricionais. Além disso, a alimentação em grupo estimula as crianças a comerem alimentos que, muitas vezes, sozinhas em casa, elas não se permitem experimentar. Pode ainda virar objeto de estudos nas aulas de ciências, história, português, matemática, geografia em projetos interdisciplinares que valoriza uma educação em diálogo com a vida real, e enriquece significativamente a aprendizagem dos estudantes.
No entanto, falta merenda e as escolas se organizam como podem. Já vi até relato com foto de escola servindo farelo de bolo com água.
Apesar do descaso com a educação pública no Estado de São Paulo a que [pouco] assistimos nos noticiários – reorganização forçada, fechamento de salas, falta de merenda… – segue-se batendo panela exclusivamente contra o executivo federal, enquanto isso, nas panelas das escolas públicas estaduais paulistas, silêncio e poeira.

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