Neste final de semana fui
convidada a participar de um novo grupo de whats app. Era o grupo de formandos
de 1998 da escola na qual terminei o Ensino Fundamental. No pouco tempo entre o
contato inicial e ser inserida no grupo me vi perdida nas centenas de
mensagens. Notícias de pessoas que o tempo havia me feito esquecer. Notícias
tristes. Notícias alegres. Casamentos. Filhos. Trabalhos. Mudanças. Morte...
Em meio a tantas mensagens,
muitas recordações com um tom de saudosismo que eu não conseguia sentir. Senti
saber o falecimento de uma colega. Do mais, ficava pensando onde eu estava
enquanto aquelas alegrias todas foram compartilhadas. Nessa busca deparei-me
com o passado que muitas vezes eu fiz questão de não lembrar: eu pude ver
novamente aquela menina de óculos, cabelos crespos compridos sempre presos e
gordinha que sempre fora alvo das “piadas e brincadeiras” seguida das risadas
dos colegas, nem sempre tão amigos assim.
Deparei-me com o bullying em
uma época que o assunto não era discutido como agora. Deparei-me com a vergonha
em ser como eu era. Deparei-me com aquela dificuldade em aceitar meu corpo e
meu cabelo, ainda sem saber que o que diziam sobre o meu cabelo era racismo.
Bullying e racismo são duas
violências, muitas vezes ignoradas, secundarizadas e até mesmo negadas, que
trazem consequências das mais desastrosas à vida de uma criança ou adolescente.
Apesar disso, nem sempre têm suas especificidades compreendidas socialmente ou,
ainda pior, por professores que deveriam ser agentes do combate a estas
violências.
Do senso comum de que “antes
a gente brincava e ninguém falava que era bullying”, como se o fato do não
falar fizesse com que uma violência não existisse, à ideia de que qualquer
violência cometida no ambiente escolar seja bullying, o termo vem se
desgastando sem que seja compreendido em sua essência, o que dificulta a busca
por ações para eliminá-lo do ambiente escolar.
Um exemplo que costumo usar
para explicar o tema são as conhecidas histórias da Turma da Mônica. Muita
gente ilustra os xingamentos dos personagens Cebolinha e Cascão como bullying
com a personagem Mônica, no entanto, não é o que acontece nesta relação porque
a Mônica não se intimida e sempre responde com a violência física. O que
acontece nas histórias são dois tipos de violências: verbal e física que como
violências devem sem enfrentadas e repudiadas.
O próprio Maurício de Souza na
Edição 45 da revista Turma da Mônica Jovem trouxe o tema à tona. Nele a Mônica
se expressa afirmando que não sofreu bullying. Ora, o que é bullying então? É
uma violência, verbal e/ou física, repetitiva e implicada numa relação de poder
em que uma pessoa ou um grupo intimida outra, geralmente, mais vulnerável que
não responde as agressões. A vítima, intimidada, na maioria das vezes, tem medo
de denunciar e procurar ajuda, o que torna os agressores livres para agirem na
sua violência covarde.
Outra forma de violência que
acompanha muitas crianças e adolescentes durante a vida escolar é o racismo,
violência enquadrada como crime desde 1989. Há diversas pesquisas que apontam o
quanto o ambiente escolar é hostil aos estudantes negros. Falta
representatividade nos professores, na gestão, nos cartazes, nos brinquedos –
bonecas negras ainda não são uma realidade em todas as escolas. O material
didático, ainda hoje, repetidamente, apresenta o negro com características
negativas, além de apresentar o povo negro apenas pelo viés da escravidão,
ignorando a história e cultura de impérios africanos antes do ataque europeu ao
continente, apesar de já haver lei que estabeleça a obrigatoriedade de tais
conhecimentos no currículo.
Neste cenário, a criança ou
adolescente negra se percebe dentro de um sistema que não dialoga com sua
ancestralidade, que não valoriza sua história e cultura para além do samba e da
feijoada, e ainda está exposta a ter sua identidade subjugada na “piada”
racista com o aspecto do seu cabelo e com seus traços físicos.
Hoje, 20 anos depois do
Ensino Fundamental, com as feridas cicatrizadas por um tempo que, sinto em
dizer, não me deixou saudade, entendo meus caminhos traçados, minhas buscas e
meu idealismo dentro da educação. Recupero as lembranças com a crítica
necessária para seguir meu caminho.
Caminho não menos difícil
que aqueles de 20 anos atrás, porém, com mais determinação. Determinação na
minha essência, no meu cabelo cacheado. Determinação na busca pela educação que
seja significativa e acolhedora a todas as crianças e adolescentes – negras,
pobres, brancas, indígenas, gordas, magras, homossexuais, transexuais, heterossexuais...
Sim, mais uma das minhas
utopias, mas que sigo caminhando com alegria e amor que transcendo e declaro
sem medo, principalmente em tempos de ódios declarados sem pudor e com orgulho.
Amor pela luta que me faz acreditar que amanhã vai ser outro dia.
Publicada originalmente em: Jornal Novo Contexto
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