Para que serve a utopia?

"A Utopia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos, ela se distanciará dez passos. Quanto mais a procure, menos a encontrarei. Qual sua utilidade, então? A utopia serve para isso, para caminhar!"
Fernando Birri (diretor de cinema)
http://www.youtube.com/watch?v=Z3A9NybYZj8

segunda-feira, 18 de abril de 2016

"Comemorar o “dia do índio”?

Luciano Ariabo Kezo estuda letras na UFSCAR e escreveu livro que ajuda a ensinar a língua umutina-balatiponé. Fonte: http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2015/04/indigena-diz-que-19-de-abril-nao-existe-estamos-na-historia-todos-os-dias.html


Na próxima terça-feira, 19 de abril, comemoraremos o “Dia do Índio”. “Comemoraremos” parece uma forma sádica de se referir à data, uma vez que o cenário para os verdadeiros donos dessas terras, é desastroso. Aprovada em 1940, a data foi estabelecida para que o dia fosse dedicado ao estudo da situação indígena nas diversas instituições de ensino.

Entretanto, reproduzimos até hoje a história de que o Brasil foi descoberto, e não invadido, pelos portugueses. Conta-se na história oficial que nessas terras vivia um povo selvagem que aguardava para ser catequizado e ter sua questionável alma atestada. Questionável porque foi apenas em 1537 que o Papa Paulo III decidiu que os indígenas possuíam alma, mas uma alma vazia que, portanto, precisava ser preenchida pela verdade divina que vinha do homem branco civilizado. E assim se consolidou, pela razão colonizadora, amparada na fé cristã, o plano de invasão e saque destas terras, o plano que em nome de Deus matou, escravizou e aculturou.

Ao longo desses 500 anos, apesar da vitória na “Independência ou morte”, seguimos pelo mesmo caminho dos colonizadores, matando e quase dizimando a população indígena que, na verdade, é a real família tradicional brasileira. Em 2010 chegamos ao lamentável patamar de apenas 0,26% de indígena na composição do total da população.

Indígenas foram e são assassinados. Na ditadura militar brasileira, o número de pessoas mortas reconhecido oficialmente é de 434, entretanto, ao menos 8,3 mil indígenas foram assassinados em nome do progresso. E segue-se a matança: dezembro de 2015: uma criança indígena foi assassinada no colo da mãe em Santa Catarina; janeiro de 2016: um indígena teve a cabeça esmagada por 15 chutes e pisões em Belo Horizonte; no Mato Grosso do Sul, pistoleiros têm atacado diariamente os povos Guarani e Kaiowá... Quantos desses fatos você ouviu noticiado?

Além desse cenário de constante ataque e desrespeito a essa minoria que, sendo sociológica, tornou-se também numérica, os povos indígenas encontram todos os tipos de resistência para serem aceitos e inseridos na sociedade com suas especificidades e direitos. Predomina por aqui a ideia de que ao lutar por suas terras, atrasam o desenvolvimento do país, que são preguiçosos, e que se não estiverem nus e com cocar na cabeça, não são mais “índios”.

De fato, “índio” não é a expressão mais adequada a se usar porque esta foi uma denominação utilizada pelos portugueses que acreditavam (?) estar na Índia e por muito tempo chamaram as terras invadidas de Índia Ocidental. Assim, ao se depararem com a população indígena, automaticamente denominaram-na “índios”. Contudo, atualmente tem sido mais aceita a expressão “indígena” que significa “originário da terra”, “nativo”.

Para Luciano Arikabo Kezo, do povo Balatiponé, pelo viés identitário, um “indígena” sempre se identificará a partir do seu povo, assim como nós nos identificamos como brasileiros, por exemplo. E são muitos os povos indígenas no Brasil, cada um com estrutura linguística e cultura próprias. Aikanã; Aikewara; Barasana; Chamacoco; Desana; Enawenê-nawê; Guarani; Ingarikó; Jarawara; Kariri; Munduruku; Nadöb; Panará; Tapajó; Tabajara; Waiwai; Xavante; Xerente são apenas alguns deles.

Diante de toda essa diversidade o que faz a escola, além de ensinar que “pra mim fazer” é jeito de índio falar, propagando a ideia preconceituosa e caluniosa do indígena ignorante, quando o português é, na verdade, sua segunda língua.

Cabe ainda que em 2016, no “Dia do Índio”, a escola, como um aluno cansado de ter que escrever a redação sobre as férias, mas precisa cumprir tabela, prepare uma atividade “artística” reproduzindo e reforçando o estereótipo do índio nu, com cocar na cabeça, sem se preocupar em ser, de fato, o local propulsor dos fatos científicos que desvelam toda a diversidade cultural, linguística, como também a situação atual dos povos indígenas, possibilitando uma visão menos turva da realidade?

Algumas escolas avançaram uma casa e, na data, chamam um indígena para conversar com as crianças. Legal, mas quem discute os direitos de todos os povos denominados genericamente de indígenas? Quem discute sobre o agronegócio, sobre as construções de usinas, sobre os ataques de pistoleiros, sobre o racismo, sobre todas as violências que continuam a matança iniciada em 1500, em nome da “ordem e progresso”, que ignora a humanidade de quem sempre foi dono das terras e hoje precisa lutar para, antes de tudo, permanecer vivo nas mesmas?

Vestir cocar e pintar o rosto não cumpre a tarefa educacional de “comemorar o dia do índio”. Se o objetivo for mesmo comemoração, que seja pelos avanços. Comemoremos o primeiro reitor indígena do Brasil na Universidade Federal de Roraima; a indicação do artista indígena do povo Macuxi, Jaider Esbell, ao Prêmio Pipa de Arte Contemporânea; o ingresso de Indígenas nas universidades federais pelas cotas étnico-raciais; o primeiro indígena, Lennon Ferreira Corezomaé do povo Umutima, a ingressar no mestrado da UFSCAR... Que comece a festa!


Publicado também em Jornal Novo Contexto

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