Para que serve a utopia?

"A Utopia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos, ela se distanciará dez passos. Quanto mais a procure, menos a encontrarei. Qual sua utilidade, então? A utopia serve para isso, para caminhar!"
Fernando Birri (diretor de cinema)
http://www.youtube.com/watch?v=Z3A9NybYZj8

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Dias das mães na escola. Como e por quê?



Dia das mães chegando. Propagandas a todo vapor na TV, rádio, jornais, internet. Mães retratadas com lindas modelos brancas, cabelos longos e magérrimas que deixam uma lágrima escorrer cenograficamente ao elogio seguido do presente da criança mais amorosa do mundo.

Propaganda com famílias ao estilo “comercial de margarina” na maioria esmagadora do marketing feito para vender. Mamãe, papai, dois filhos e um cachorro. Capitalismo é sobre isso: vender.

O problema é quando a escola incorpora também as datas comemorativas no mesmo espírito. Dentro do viés capitalista, se preocupa em oferecer presentes, muitas vezes com solicitação do envio de dinheiro para as mães que acabam por pagar o “presente oferecido” pela escola; as mais tradicionais seguem na linha das lembrancinhas confeccionadas artesanalmente que, na educação infantil, na maioria das vezes, acaba por sobrecarregar as professoras e professores porque exigem uma perfeição diferente da perspectiva das crianças pequenas. O que as mães acabam ganhando é uma lembrancinha realizada a horas de sonos perdidas pelas professoras das crianças.

Para além do viés capitalista, a escola ainda reproduz esse sistema de valores que considera como família apenas pai, mãe e filhos, ignorando que 50,6% das famílias brasileiras são compostas das mais diversas maneiras e não no perfil “comercial de margarina”. É uma violência simbólica para uma criança que não tem mãe ficar trabalhando durante uma semana um tema que, da forma como é tratado, pouco, para não dizer nada, tem de pedagógico. As professoras bem-intencionadas vêm ao socorro e dizem: faz para quem cuida de você. Então para que dia das mães na escola?

É inadmissível que em pleno século XXI as escolas não se valham destas datas para levantar e problematizar questões contemporâneas. Há em curso na câmara dos deputados a votação da lei que define família exclusivamente como a união conjugal formada entre o homem e a mulher. Ignora-se com essa lei os dados levantados pelo IBGE que incluem as mais diversas formações familiares que representam nossa sociedade tal como é contemporaneamente. Ignora-se os 16,2% de famílias formadas por mulheres com filhos com ou sem parentes; os 2,4% de famílias formadas por homens na mesma situação. As famílias com dois pais ou duas mães. Se a lei for aprovada essas e todas as demais formações familiares podem enfrentar problemas na busca por direitos como plano familiar de saúde, por exemplo.

Aquela mulher abandonada pelo pai biológico não será considerada família junto ao seu filho e, portanto, ele não terá direito ao plano de saúde da mãe. No entanto, a escola ao invés de levantar esses debates, continua no seu lugar de obediência ao status quo de apenas reproduzir comportamentos que excluem uma parcela significativa da sociedade. Ignora possibilidades riquíssimas de trabalhos pedagógicos. Por que não falar de gênero? Sim, porque no dia das mães, a quem sobra a tarefa de lavar a louça depois da festa de homenagem a ela? Por que cabe às mães a tarefa de tripla jornada?

Em tempos obscuros como o que vivemos, o óbvio precisa ser dito: não sou avessa ao dia das mães, muito pelo contrário, mas sei que a comemoração desta cabe ao âmbito familiar. O que levanto aqui é sobre qual o papel da escola ao trabalhar datas comemorativas como essa e tantas outras que causam mais transtornos que aprendizagem aos estudantes.

Lógico que é também papel da escola tratar de questões culturais construídas ao longo da história pela humanidade, mas sabendo que o currículo não é neutro, vale sempre questionar por que a escolha de algumas datas em detrimento de outras. Questiono também as metodologias para o trabalho das datas; mais problemática que as comemorações são as formas escolhidas para fazê-las. Não é estranho que as escolas comemorem mais o dia das mães ou dos pais que o dos professores?

Aos que defenderão a data pela possibilidade da aproximação entre família e escola, respondo prontamente que esta deve acontecer pela construção de espaços, como os conselhos de escola, que sejam de fato participativos. Espaços em que as famílias possam compreender as escolhas pedagógicas e participar na construção dos currículos a serem desenvolvidos.

Uma boa forma da escola homenagear as mães, sem deixar de lado sua tarefa pedagógica, é fazer do seu trabalho um instrumento de reflexão que auxilie a romper com atitudes que ainda hoje deixam as mães sobrecarregadas nas suas triplas jornadas dentro de uma estrutura machista que faz das mães Cinderela no segundo domingo de maio, mas que no dia-a-dia trata-a como a serva que deve ser bela, recatada e do lar.

Texto publicado originalmente em 29/04 em Jornal Novo Contexto on line e Novo contexto impresso


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