PARTE 5
Que dia! Eu ainda estou com as pernas trêmulas. Hoje foi o fatídico dia. Relembrando que há 10 anos, lá estava eu, felicíssima porque, afinal, não ficaria oficialmente para titia, encenando o teatro que mais gira a economia – o casamento –de véu e grinalda brancos.
Eu não sei quem é que teve essa ideia de bodas para cada ano de vida conjugal. Se pensar numa festa de casamento já é um tormento, pensar numa festa para se comemorar anos de casada é um tormento em dobro. Agora não é mais aquela insegurança de que ele não apareça. Agora é o trabalho para ajeitar tudo. Fazer muita coisa em casa para economizar e ainda dar conta das crianças, dos cachorros, da casa, do marido que tentando ajudar, atrapalha.
E foi por isso que acabei tendo que ir buscar os camafeus uma hora antes da festa, e foi aí que começou a grande emoção do dia.
Eu não acredito que ele ainda é capaz de me deixar com as pernas bambas e de me fazer tremer e ficar meio agitada, dizendo coisas sem sentido e gesticulando mais do que qualquer italiano esbravejando.
Que olhar de reprovação é esse? Não tive a menor culpa! Encontrá-lo foi coisa do acaso e talvez seja pra eu repensar meus últimos dez anos. Afinal, de certa forma, foi por causa dele que acabei ficando com Victor, quando Mariá me convenceu que ele era o homem certo pra mim, e não um cafajeste que tudo que conseguia era me dar uns prazeres fugazes e depois me deixar por semanas arrastando correntes.
Foi muito estranho. Aquele esbarrão, ele me chamando pelo meu apelido de 20 anos atrás, aquele mesmo sorriso cheio de dentes de sempre, as gracinhas de sempre. Não tem nada de inovador, e como eu, alguém que gosta tanto de ser surpreendida, pode ainda se encantar com essa personificação da mesmice?
Não! Não que tenha ficado encantada, não disse isso. Mas é que fazia tanto tempo que não o via, que fiquei paralisada. Vieram tantas lembranças. Tantas dúvidas. Aquele “e se” que atormenta você por alguns momentos intermináveis.
Perguntou se eu estava bem. O que estava fazendo da vida. Ah as perguntinhas básicas do socialmente aceito e a despedida cafajeste de sempre – um abraço apertado e um sussuro no ouvido “saudades de você”. Saudades de mim? Como assim? Não devia nem se lembrar da minha existência mais.
Fiquei pensando que ele em nenhum momento disse meu nome, não deve ter ousado chutar para não correr o risco de uma gafe, tenho certeza. Ah sim, ele me chamou pelo apelido. Mas ninguém me chama assim mais há uns 20 anos. Ele mesmo não me chamava mais assim. É, às vezes chamava.
Fiquei desnorteada. Derrubei a caixa com os camafeus. Quase esqueci de pagá-los. Passei por um sinal fechado e um cara muito grosseiro me disse barbaridades. Quanta incompreensão nesse mundo, meu Deus!
Victor me salvou de parecer drogada com uma surpresa. Assim que cheguei, havia um telão em que ele colocou um vídeo relembrando nossos lindos dez anos de casada. Foi bom porque pude extravasar num choro toda aquela tensão. Ele ficou muito satisfeito. Tinha alcançado seu objetivo. Eu não sabia ao certo porque chorava, mas estava muito tranqüila de saber que Victor jamais desconfiaria que o vídeo era o menor dos motivos. Sim, eu sou uma, uma, uma qualquer!!!!
Ele colocou tudo lá. Algumas fotos do namoro, e isso transcende os dez anos. Noivado. Casamento. Lua de mel. O nascimento dos nossos filhos. Nossos cachorros. As coisas realmente importantes e, devo confessar, soube escolher muito bem a trilha sonora.
Victor ainda consegue me surpreender, mas por que então eu fiquei tão eufórica em encontrar esse cara que eu nem conheço mais e nem sei se um dia eu realmente conheci?
Não comentei nada com ninguém. Respirei fundo e resolvi curtir a festa. Paula, Raquel, Juliana e Pietra vieram. Fizemos nosso brinde dos tempos da faculdade e pudemos rir muito relembramos as tantas festas a que fomos juntas. Lembrar de quando pensávamos nas coisas que faríamos só para ter histórias para contar para os netos. Mas que, por enquanto, não ousamos nem mesmo contar para os nossos filhos.