Talvez eu tenha exagerado com o Victor na minha crise de mulher desempregada. Ele se distanciou, não me olha mais nos olhos, está indiferente e usando da pior indiferença. Responde aos meus chamados, mas não como antes. Faz- se presente no silêncio da sua ausência.
Minhas lágrimas estão menos teatrais. Os problemas parecem mais reais agora e competir com a Branca de neve não faz mais muito sentido. Ela nunca aguentaria passar por tudo isso. Acho que foi nesse momento que ela comeu a tal maçã envenenada. Que bruxa, que nada. Aquilo foi é choque de realidade, a branquela não resistiu e dormiu até o príncipe chegar. E ao invés de beijo, ele deve ter lhe dito que os filhos já estavam cursando uma boa universidade, que ele já saíra da crise da andropausa, e que ela protagonizaria um espetáculo no Municipal de São Paulo. Só criança mesmo pra acreditar que aquele beijinho sonso tiraria alguém de um sono profundo.
Meu sonho de vida perfeita... Que patética! Filhos da universidade? Eu no Municipal... Ao menos, pelo jeito, eu quero o Victor ao meu lado, sem essa crise, sem esse olhar que eu não conheço mais, sem essa indiferença que me mortifica.
Mas se Victor se acha no direito de me tratar assim, de se sentir decepcionado com meu comportamento, sinto-me no mesmo direito! Afinal no pior momento da minha vida não encontrei nele aquele homem companheiro e paciente com quem eu decidi me casar.
Tenho medo que ele desconfie dessa reaparição... Mas também, não aconteceu nada. Foi um café! Um café e só! Eu precisava disso. Precisava senti-lo, quero dizer, sentir como seria reencontrá-lo depois de tanto tempo. Era uma história mal terminada, e eu preciso de ponto final. Foi muito estranho. Senti-me novamente com 20 e poucos anos, com aquela expectativa toda, aquele calafrio que percorre toda a espinha. Não sei como ele conseguiu meu telefone, ou será que depois de quase 15 anos ele ainda tinha esse número? Eu estava ociosa, as crianças na escola e então, não havia motivo para eu negar.
Aproveitei para fazer as unhas. Nude. Algo moderno, elegante e casual. Coloquei um vestido, mas algo bem despretensioso, uma sandália de salto, mas não muito alto. Básica. Vestuário digno de uma mulher segura de 40 anos. E por que é que minhas mãos não correspondiam a essa segurança tremendo descontroladamente? Respirei fundo, mantive as mãos firmes, passos largos e fui ao seu encontro. Ele já estava lá, sentado. Parecia muito tranqüilo mexendo em seu celular, pensei que podia estar disfarçando, ou será que já pensava em me ligar? Será que estava ansioso com meu atraso de 5 minutos?
Tudo correu muito cordialmente. Tentei parecer calma, mas não falsa. Não disfarcei minha surpresa querendo saber como ele havia conseguido meu contado. Disse-me que encontrou com a Guida e pediu a ela. E como foi que ela não me contou uma coisa dessas???, era só o que conseguia pensar nos 20 minutos seguintes. Foi normal e estranho. O reencontro entre duas pessoas que se conheciam profundamente, mas que verdadeiramente nunca se apresentaram inteiramente uma à outra.
Não sei exatamente o que senti. Foram tantos sentimentos e o maior deles, surpresa! Surpresa por ele me cobrar agora o porquê de eu ter “sumido”. Teve a pachorra de dizer que eu precisava ter dito ao menos um tchau, colocado um fim, se era isso que eu desejava. O que eu desejava... Devo ter ficado olhando nos olhos dele por uns 5 minutos, buscando meu discurso pronto de tantos anos. “Fim. A gente não tinha começo, meio e, portanto, não tinha no que por fim. Éramos duas pessoas que se propunham a um engano juntas. Um erro. Foi a isso que eu coloquei um fim e a você coube apenas não fazer nada, o que você cumpriu com muito êxito!...”